Diante do xingamento dos abastados, meu desabafo cristão

Diante do xingamento dos abastados, meu desabafo cristão

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por Padre Djacy

-"Padre Djacy, de um tempo pra cá, nossa vida melhorou, não totalmente, mas melhorou, graças a Deus. O povo pobre é lembrado e tratado com mais dignidade”.

Estava calado, sem nada pronunciar. Só fazia ouvir atentamente. Ouvia palavras duras, palavras tão agressivas, que faziam sofrer minha pobre alma. Nada dizia. Ficava absorto nos meus pensamentos. Silenciosamente gemia, e gemia de indignação, de revolta, de tristeza.

O tempo foi passando, e a gritaria indignada de uma parcela da elite, dos ricos, dos arrogantes e prepotentes, contra a ascensão sócio-econômica-cultural dos pobres, dos milhares de cidadãos e cidadãs brasileiros, foi alcançando proporções inimagináveis, claro, com o apoio incondicional de uma Mídia poderosa controlada por meia dúzia de ricaços. Não, não podia suportar tanta violência verbal e ideológica contra meus irmãos em ascensão. Ficar calado seria omissão, covardia cidadã e fraqueza profético-cristã.

Muitas vezes fui dormir indignado, com tanta tristeza, que pensava o seguinte: será que não irei morrer nesta noite? Será que meu coração vai aguentar essa tristeza? Dormia e acordava. Meu coração pulsava forte. Via a hora infartar-me. Num instante de inspiração, veio o pensamento: tenho que defender meus irmãos pobres e compartilhar minha dor cristã, minha indignação sertaneja. Não posso ficar calado, caso contrário, cairei no risco do pecado de omissão.

Em nome do Evangelho, de minha fé cristã libertadora, vou desabafar, colocar pra fora todo um sentimento de dor, de tristeza, de revolta, que sufoca meu pobre coração de cidadão e de pastor.
Antes de tudo, afirmo peremptoriamente que essa ojeriza por parte dos afortunados é, indubitavelmente, uma afronta ao Deus da vida e à dignidade da pessoa humana. Não é por acaso que está consignado no livro dos Provérbios estas sentenças proféticas (14,31; 31,8-9): "aquele que oprime o pobre com isso despreza o seu Criador, mas quem ao necessitado trata com bondade honra a Deus”. E mais: "erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”.
Não podendo ficar encastelado no silêncio sepulcral do medo, da omissão e da covardia, desabafo. Trata-se de um desabafo cristão e cidadão:

Por que muitos de vocês, que têm dinheiro, vida boa, têm tanta raiva dos programas sociais do governo federal, que vem aliviando a dor, o sofrimento, da população pobre?

Por que tanto desprezo e ódio ao programa do bolsa família que, graças a Deus, está tirando tanta gente da miséria?

Por que tantos adjetivos pejorativos, violentos, contra os que recebem auxílio do governo federal?

Por que tantas pessoas chamam de preguiçosos, vagabundos, malandras, os cidadãos pobres que recebem o bolsa família?

Ouvi muitos agricultores falarem: - se não fosse o bolsa família, a gente já tinha saqueado feiras, mercados, escolas. Graças a Deus, com esse bolsa família, a situação é outra. Vocês não ficam satisfeitos com essa nova realidade social?

-Como estudante estou feliz. Vou ingressar na universidade. O PROUNI facilitou minha vida. Agora vou me formar para ter uma profissão na vida. Lendo este belo e emocionante depoimento, por que muitos de vocês não ficam felizes vendo milhares de estudantes pobres ingressando nas universidades?

-Por que o aumento do salário mínimo, as políticas de cotas, a legislação da empregada doméstica e alguns outros programas sociais, que visam melhorar a vida da população pobre são tão mal vistos, tratados com desdém, com adjetivos tão pejorativos? Isso não os deixa felizes?

Por que vocês não ficam felizes, vendo tantos pobres comprando carro, moto, geladeira, celular e televisor?

Por que vocês não ficam felizes, vendo os pobres adquirindo sua casa pelo o programa minha casa, minha vida?

Por que se revoltam com o programa mais médico? Vocês não sabem que os pobres serão os beneficiados com esse referido programa? Falaram mal dos médicos cubanos. Por quê? Só porque vieram para ajudar à população pobre? E que tanta raiva é essa?

No meu sertão, são muitos os jovens que têm ipad, tablet, notebook e usam celular de última geração. Isso não lhes agrada? Não os deixa feliz?

Em muitas casas da zona rural, nas casas de famílias pobres, há televisor plasma, ultramoderno. Isso não é bom? Por que não ficam felizes em saber disso? Pobre também tem direito ao que é bom e moderno. Não concordam?

No meu sertão, milhares e milhares de residência têm computador. Isso não lhes agrada, não os deixa feliz?

Na cidade onde moro, os jovens ficam na calçada da igreja, na praça, ou em suas calçadas, acessando a internet via Wi-Fi, gratuitamente, Isso não lhes dá felicidade? Não lhes agrada?
No meu sertão, vejo milhares de jovens pobres se graduando em diversos cursos superiores, se especializando, fazendo mestrado e até doutorado. Isso não é motivo de alegria para vocês?

Conheço diversos jovens de famílias humildes viajando para o exterior para aperfeiçoar seus cursos, sua formação acadêmica. Vocês não vibram de alegria. Por quê?

Na minha Paraíba, são muitas as pessoas que deixaram de viajar de ônibus para viajar de avião. É por isso que "os aeroportos estão cara de rodoviária”. Isso é motivo de revolta?

Um homem da roça falou-me: - Padre, meu filho veio de São Paulo de avião, porque a passagem estava barata. Não ficam felizes com isso? Não somos todos irmãos?

Antes, pobre só via avião passando por cima de sua cabeça, e bem alto, não conhecia sequer um aeroporto. Hoje, não só o ver, mas anda. Não se alegram com essa ascensão social desses irmãos?

Quanta revolta, quando dizemos que o governo federal deveria popularizar o Curso de Medicina. Qual o motivo de tanta raiva, indignação? Todos não são iguais conforme a Constituição Federal?

Por que muitos que cursam medicina em universidades públicas, quando se formam não pensam em ajudar os pobres? Por que ficam nas grandes cidades? E por que cobram consultas tão exorbitantes? Não estudaram com o dinheiro do povo?

Uma mãe falou-me: - Padre, meus três filhos vão ser doutores. Graças a Deus, a gente é pobre, mas vamos conseguir formar nossos filhos. Por que vocês não vibram com a felicidade dessas e de tantas outras famílias humildes?

-Hoje, seu Padre, não se forma que não quer. O governo manda ônibus para pegar os alunos na sua casa, a merenda é boa, dá livros, cadernos, lápis e farda. Vocês, que têm tudo na vida, por que não ficam felizes com a felicidade da classe pobre?

-Padre, eu não ando mais de ônibus, agora é só de avião. Fui visitar meus filhos que moram em São Paulo. Esse negócio de andar de ônibus é coisa do passado. Por que vocês, ricos, ficam com raiva, dizendo que aeroporto virou rodoviária?

Deus criou-nos para viver como irmãos, no amor, na justiça, na partilha, na paz e na união. Então nada de egoísmo, individualismo, arrogância, prepotência e orgulho.

De uma coita tenho certeza absoluta: a terra, nossa casa mãe, é para todos, mas o céu é para quem vive o AMOR ágape. É por isso que São João da Cruz dizia: "no entardecer da vida, seremos julgados pelo amor”.


Padre Djacy Brasileiro, no sertão paraibano, em 16 de junho de 2014.
E-mail: padredjacy@hotmail.com
Twitter: @Padredjacy


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Valter Pomar analisa às cíticas de esquerdistas sobre o governo Dilma

Valter Pomar analisa às cíticas de esquerdistas sobre o governo Dilma

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terça-feira, 17 de junho de 2014

Nem todo "escravo" tem a "mentalidade da Casa Grande"


Nunca foi fácil a vida da militância de esquerda que defende o Partido dos Trabalhadores.
Entretanto, ainda mais difícil anda a vida daquela militância de esquerda que é contra o PT.
Afinal, no atual ambiente político, esta “oposição de esquerda” corre o risco de ser vista, ou de converter-se objetivamente, ou pelo menos é acusada de ser linha auxiliar da oposição de direita.

A situação vem gerando polêmicas duras, como fica claro na leitura de Emir Sader (“Não é a Copa, imbecil, são as eleições”, no blog da Boitempo); no editorial do Brasil de Fato (dia 03 de junho, falando das “Eleições presidenciais e o papel do esquerdismo“); e na resposta de Mauro Iasi, intitulada “O escravo da casa grande e o desprezo pela esquerda” (http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/16/o-escravo-da-casa-grande-e-o-desprezo-pela-esquerda/).

Não pretendo comentar aqui o texto do Emir Sader. A quem interessar, sugiro a leitura do artigo:http://www.pagina13.org.br/eleicoes-2/a-copa-as-eleicoes-e-o-que-vira-depois/
Tampouco pretendo criticar aqui o editorial do Brasil de Fato, embora considere um equívoco o uso que dão ao termo “neodesenvolvimentismo”.

Vou me limitar ao texto do Mauro Iasi, que busca “identificar frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo Dilma”, concluindo em 2014 o mesmo que já havia concluído em 2005, a saber: que o PT “assumiu posturas políticas que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores”, sendo “um setor da classe trabalhadora” que foi “capturado pela hegemonia burguesa”.

Noutras palavras: “o PT em seu projeto (e prática) de governo apresenta em nome da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês”, sendo que “na composição física do governo vemos setores de classes diretamente representados, como o caso dos interesses dos grandes monopólios (...) dos bancos (...), do agronegógio” etc.

O problema da análise de Mauro Iasi é não conseguir explicar por quais motivos o grande capital, setores médios, a direita, o oligopólio da mídia e os governos imperialistas estão tão irritados com o governo Dilma.

Mauro Iasi sabe que precisa explicar esta “irritação”. Tanto é que afirma o seguinte: “mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação.”

Segundo este raciocínio, as candidaturas da oposição são “instrumento para ameaçar, chantagear e negociar melhores condições”.  Ficando implícito que a opção preferencial do “capital monopolista” é governar com o PT e através do PT.

Lamento, mas isto não é “análise concreta da situação concreta”, recordando muito a postura predominante no Partido Comunista frente ao segundo governo Vargas. Naquela ocasião, os comunistas foram incapazes de entender e toma posição adequada frente ao imenso ódio e oposição do imperialismo e da “burguesia realmente existente” contra um governo... burguês.
Iasi parece consciente de que sua análise não consegue dar conta de explicar este aspecto da realidade: por qual motivo um governo que aplica políticas “que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores” gera tamanho ódio por parte do grande empresariado e de parcela dos setores médios etc.

Mauro sugere que o problema estaria no foco de análise: trata-se de observar o “período histórico” e não apenas a “conjuntura da eleição”.

Ou seja: teríamos que evitar a “artimanha governista”, a “mágica” que faz desaparecer “o governo real” e no lugar dele coloca “um mito” que “resiste ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e descarnadas de sua corporalidade real. É o odioso ‘neoliberalismo’, que vai retroceder nos incríveis ganhos sociais alcançados e desestabilizar os governos progressistas na America Latina. Vejam, nos dizem, como são piores que nosso governo, precisamos derrotá-los para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez derrotados eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo de Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem aprovou a lei das fundações público-privadas que abriu caminho para a privatização da saúde e outras? Quem aprovou a lei dos transgênicos, o código florestal e de mineração?”

Portanto, segundo Iasi a imensa bulha do grande empresariado contra o governo encabeçado pelo PT seria um fenômeno real, mas circunscrito ao período eleitoral, pois mesmo derrotado, entre uma eleição e outra o grande empresariado acabaria conseguindo aquilo que deseja.
Novamente, apelo por uma “análise concreta da situação concreta”: a postura amplamente majoritária no grande empresariado, de oposição ao governo Dilma, não é um fenômeno eleitoral. Começou antes, com destaque para o momento em que o governo tentou enfrentar os bancos. A esse respeito, aliás, recomendo a ótima entrevista do professor Adalberto Moreira Cardoso, em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1466547-conluio-antidistributivo-puniu-dilma-e-campanha-sera-mais-radicalizada-diz-sociologo.shtml

Mauro Iasi comete o mesmo erro pelo qual critica o Brasil de Fato: circunscrever a “análise da situação concreta” a um aspecto da realidade. O PT rebaixou seu programa a um patamar “pequeno burguês”? Verdade. O governo é de aliança com setores do grande capital? Verdade. O governo aplica políticas de interesse do grande capital? Também é verdade. Mas o governo também aplica outras políticas e expressa outros setores sociais, o quê, nas condições concretas do Brasil e do mundo entre 2011-2014 entra em conflito com os interesses presentes e futuros do grande capital. O erro de Iasi consiste, no fundamental, em desconhecer ou minimizar este aspecto da realidade, este conflito de classe.
Não se trata de artimanha, de mágica, nem de um fenômeno eleitoral, mas de variáveis bastante “simples”, tais como o nível de emprego, a política de salários, a presença do Estado na economia, o nível de democracia e participação, a relação com os Brics e com a região latino-americana etc.
Algumas destas variáveis são tão visíveis, que Mauro Iasi tem que admitir a existência de “duas versões distintas disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado”.
De fato, esta disputa existe, e não é de hoje. Aliás, ao longo do século XX, o papel do Estado na economia foi uma variável muito importante da disputa entre duas vias de desenvolvimento capitalista, a conservadora (que predominou) e a democrática (que geralmente foi derrotada).
Claro que, tomada “em si”, a defesa de um forte papel do Estado não implica em ser de esquerda, nem mesmo em ser democrata. Mas, pergunto: nas condições concretas do período 1980-1989, 1990-2002 e 2003-2014, quais classes e frações de classe defenderam/defendem que o Estado tenha um papel mais ativo na economia e quais classes e frações de classe defenderam/defendem que o Estado tenha um papel menos ativo na economia? E como isto se relaciona com o conjunto dos interesses de cada classe e fração de classe existente no Brasil?
Se não respondermos a estas questões, apontando qual fração defende o que neste determinado momento, a conclusão será acaciana e tautológica: enquanto houver capitalismo, o Estado capitalista cumprirá um papel funcional ao desenvolvimento capitalista.
Ao invés de responder a esta e outras questões concretas, Mauro opta por algo que me parece uma conclusão “pré-fabricada”, que já estava pronta antes da análise começar e que independe desta análise, a saber: o “pacto social e de implementação de um social-liberalismo” estariam impedindo o “avanço da consciência de classe”.
Para facilitar o debate, admitamos que isto fosse verdade e respondamos o seguinte: a vitória do PSDB (ou do PSB) nas eleições de 2014 romperá este “pacto social” e interromperá a “implementação do social-liberalismo”? Em caso positivo, o que será colocado no lugar?
Se a resposta é que tudo vai continuar como antes, que o pacto social e o social-liberalismo continuarão, então a “mudança” consistiria “apenas” na derrota eleitoral do PT. Neste caso, pergunto: é então da derrota do PT que dependeria o “avanço da consciência de classe”? Se a resposta for sim, então é correto dizer que a “oposição de esquerda” é “aliada objetiva” da direita?
Vamos supor que a resposta seja outra: que uma vitória do PSDB (ou do PSB) provocarámudanças mais ou menos importantes. Neste caso, pergunto: as mudanças vão melhorar ou vão piorar a vida da classe trabalhadora? Supondo que piorem, então não caberia reavaliar a análise negativa feita acerca do governo Dilma? Além disto, não caberia explicar como a piora nas condições de vida da classe trabalhadora contribuiria para o “avanço da consciência de classe”?
Quem se der ao trabalho de fazer os “exercícios lógicos” acima deveria concluir o seguinte: quem deseja romper a aliança com o grande capital, quem deseja implementar um programa mais avançado, quem deseja fazer avançar a consciência de classe, deve trabalhar pela vitória do PT nas eleições de 2014. Pois toda alternativa que implique na derrota do PT resultará em piores condições para a classe trabalhadora e para a esquerda brasileira.
Evidentemente, precisamos de uma vitória do PT em condições de fazer um segundo mandato superior. Pois segundo a análise que fazemos, esgotaram-se as condições objetivas que por breve período tornaram possível combinar presidência petista, aliança com o grande capital e políticas públicas moderadas, com avanços em termos de soberania, integração, democracia e condições de vida. A partir de agora, aconteça o que acontecer nas eleições, haverá uma disjuntiva cada vez mais acentuada. Não espero que o conjunto da oposição de esquerda perceba isto. Mas é nosso dever convencer alguns de seus integrantes e grandes parcelas de sua base social.

fonte:http://valterpomar.blogspot.com.br/


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Classes e luta de classes: o PT e a esquerda na berlinda

Classes e luta de classes: o PT e a esquerda na berlinda

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O coronel Boggo, tendo o PT como alvo, apresenta a mídia como outro obstáculo à ação desse partido. Os petistas não se cansariam de postular a criação de “controles sociais” sobre os jornais, tevês etc. Simplesmente porque, ao chegarem ao poder, descobriram-se na “posição de raposa guardando o galinheiro”. O dinheiro que teriam arriscado a vida “para subtrair no passado, agora existia em quantidade nas Caixas dos municípios, na Fazenda dos Estados e no Tesouro Nacional”.
Se a finalidade desse partido consiste em “financiar a derrota da burguesia e garantir longa vida” a seu “Reich”, conclui o coronel, não haveria “motivo mais nobre” do que se “apropriar desse dinheiro”. Numa linguagem de foca de imprensa marrom, o coronel conclui que “ninguém é de ferro”, e “os operadores das transferências… merecem recolher a justa remuneração por seu trabalho”. Dessa forma, o PT teria praticado “transferências” financeiras em “toda a parte em que… se implantou”.
Sem medo de ser processado por difamação, o coronel Boggo lista municípios nos quais teria havido “alguns incidentes de percurso”, com a eliminação de “alguns operadores”, e outros onde as coisas teriam corrido “muito bem”. No “âmbito da União” não haveria do que se queixar, a exemplo da “refinaria da Petrobras, em Pasadena”, e dos “Correios, …Banco do Brasil, …FAT, …DNIT, …VALEC, …INCRA, …FUNAI, …Bolsa Família, …transposição do São Francisco, …obras do PAC, …Minha Casa, Minha Vida e …Copa do Mundo…”. E, com a certeza de um araponga, garante que os “tráficos de influência” teriam engordado substancialmente “cofres partidários e bolsos particulares”
É lógico que o coronel, “conhecedor” de todas essas supostas maracutaias, deveria ser processado por omissão, ou por esconder provas substanciais que deveriam ter sido entregues à Justiça. O coronel também poderia e deveria ser chamado judicialmente a provar o que diz. Apesar disso, o que nos interessa agora é mostrar que essas mesmas acusações sobre “transferências financeiras” foram assacadas contra Jango, o PTB e o PCB, nos anos anteriores ao golpe de 1964.
Nos anos posteriores, os oficiais “revolucionários” descobriram que as “transferências” para os próprios bolsos eram praticadas por empresários e oportunistas que apoiaram o golpe desde o primeiro momento. O que lhes garantiu a impunidade. O número de corruptos julgados pela “revolução redentora” foi insignificante. Seja em comparação com o volume de denúncias que antes ocupava o noticiário, seja em comparação com o número de opositores políticos torturados e/ou assassinados.
Talvez por isso, a grande mídia se mantenha silenciosa a respeito da corrupção na ditadura militar. Da mesma forma que o coronel Boggo, ela confunde “controle social” com “censura”. Isto os torna aliados de fato. Uma parte dessa mídia reconheceu seu “erro” em apoiar o golpe de 1964 porque aquilo que clamava ser “objetivo comunista” de calar a imprensa, tornou-se prática corrente da “revolução de 1964” para esconder seus desmandos, corrupção e atrocidades.
A grande mídia se esforça por trazer à público apenas a perseguição que a atingiu. Mas seus repórteres investigativos não são orientados a levantar os “grandes negócios” praticados por muitos dos condestáveis do regime, em associação com empresários nacionais e estrangeiros. Afinal, teriam que explicar como incêndios em algumas redes de televisão, incialmente dados como atos terroristas dos comunistas, permitiram que elas embolsassem recursos volumosos pagos pelo seguro, e ainda se beneficiassem de isenções de importação para se modernizarem.
Em termos políticos, tanto os “duros” das forças armadas, a exemplo do coronel Boggo, quanto a grande mídia, têm no PT e demais partidos de esquerda seus principais inimigos. Mas o recrudescimento dos ataques ao PT, paradoxalmente, não tem como objetivo central o que foi feito por esse partido no governo. Na verdade, a preocupação se concentra no fato do modelo de convivência entre a economia monopolizada por grandes grupos estrangeiros e nacionais e uma redistribuição de renda mais efetiva ter alcançado seus limites.
Isto impõe que o Brasil seja reindustrializado, cresça economicamente, eleve o padrão de vida da população, solucione os problemas de mobilidade urbana, saneamento básico, educação, saúde, e redução substancial da violência. E aumente a participação democrática dos brasileiros na vida do país. Em tais condições, a proposta de conselhos participativos aponta para o “perigo” de Dilma, se reeleita, se ver constrangida a empreender reformas mais profundas do que as reformas de base propostas nos anos 1960.
O ressurgimento das lutas de classe recolocou na ordem do dia esses desafios para o futuro. Por isso, o coronel Boggo tenta demonstrar que, “sob os governos do PT, o Brasil foi transformado em um grande Potemkin tropical”. Vagaria sem rumo, “tripulado por uma marujada desatenta ao leme, incompetente nas máquinas e focada somente no cofre de bordo”. Sem olhar para o próprio umbigo, nem para o passado de mazelas, deixadas tanto pelas décadas da ditadura militar quanto pela década neoliberal, ele afirma sem rebuços que é “inadiável desembarcar essa tripulação e desativar para sempre essa nau de insensatos”.
Não é difícil encontrar termos idênticos no pré-1964. Como será fácil encontrar afirmações de que uma “análise sobre o estado das coisas no país mostra que, na maior parte das atividades que constituem o governo de uma nação” ocorreu uma atuação “funesta”. Agora, em relação ao PT, como em 1964 em relação a Jango e ao PTB e PCB Nenhum deles teria “quadros suficientemente preparados para dirigir o país”. Como antes, o Estado teria sido aparelhado “com incompetentes”, cujas obrigações consistiriam em “repassar parte de seus rendimentos para o partido e servir como comissários políticos junto aos órgãos em que estão lotados”.
Assim, utilizando-se de argumentos típicos do período pré-1964, o coronel Boggo se aproxima rapidamente de sua conclusão máxima: o PT estaria, “na calada da noite, caminhando passo a passo no rumo de seus propósitos de 50 anos atrás: introduzir neste país um regime totalitário de inspiração cubana”. Pouco importa ao coronel que o PT tenha apenas 33 anos de fundado. Nem que esse partido seja acusado, inclusive por parte da esquerda, de estar fazendo justamente o contrário do que afirma o  coronel. Isto é, concessões demasiadas ao capitalismo.
O coronel Boggo sequer se incomoda em bancar o democrata. Poderia sugerir que, sendo veracidade o perfil que traçou do PT, bastaria apelar para a população repudiá-lo nas próximas eleições. Em qualquer país, mesmo apenas formalmente democrático, as eleições são a forma de destituir governos que não correspondem aos anseios populares. De certo modo, é isso que a grande mídia brasileira vem tentando fazer nos últimos anos, embora até agora tenha conseguido poucos resultados.
Mas o coronel Boggo não acredita nessa solução. Para ele, o PT é formado por comunistas. Portanto, o coronel toma o PT como pretexto, da mesma forma que Jango foi usado em 1964. Para “duros” como ele o problema estava, e continua estando, nos “comunistas”. Que podem ser tomados como os que não concordam com as propostas reacionárias e ditatoriais, mesmo que se apresentem como liberais. Ou, como diz o coronel, os que “teimam em não aceitar que cada pessoa é um universo à parte e que não há como aplicar soluções iguais sobre indivíduos desiguais”.
Isto é, os comunistas cometeriam o absurdo de interpretar “a situação desfavorável dos mais pobres como sendo uma consequência das condições evidentemente mais confortáveis dos mais ricos, sem jamais se permitir imaginar que talvez isso seja consequência da diferença de habilidades, de talentos ou de perseverança no trabalho”. Bingo: a pobreza e a riqueza seriam inatas. Em vista disso, o coronel Boggo advoga que se apliquem soluções desiguais para indivíduos desiguais.
A ignorância do coronel não lhe permite aceitar que os comunistas advogam algo teoricamente idêntico. Eles preconizam exigir de cada um segundo sua capacidade e atender a cada um segundo suas necessidades. Isto é, o atendimento dos desiguais de acordo com suas necessidades conduz à igualdade, dividindo melhor a riqueza gerada pelo trabalho. Na prática comunista, não haveria ricos nem pobres.
Porém, o que em teoria parece idêntico, na prática se torna antagônico. O coronel Boggo considera os pobres e os ricos uma fatalidade de nascença, não uma consequência do sistema econômico e social que tem por base a propriedade privada. Para os pobres, pobreza. Numa concessão à realidade, o coronel admite que “existem situações em que ocorre uma exploração criminosa dos mais fracos”. Chega a aceitar que “a legislação tem avançado bastante no sentido de coibi-las”.
Mas não tem a hombridade de reconhecer que tal avanço, pelo menos nos últimos anos, se deveu a governos dirigidos pelo PT ou por outros partidos de esquerda. Governos compostos não só por petistas, mas também por comunistas e socialistas, muitas vezes aliados a democratas liberais e a conservadores. Prefere ficar com sua antropologia reacionária, que considera os ricos o resultado de “qualidades inatas”, “trabalho intenso”, “esforço continuado”, “estudo” e “mão na massa”.
Tais qualidades dariam “a certos indivíduos uma condição de relevo”, fazendo-os constituir a “elite de uma coletividade”. Queira ou não, o coronel retoma a questão das classes e da luta de classes pelo viés mais reacionário.


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Dadid Harvey: "Nos EUA, 70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz"

Dadid Harvey: "Nos EUA, 70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz"

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 David HarveyAo apresentar seu livro mais recente, geógrafo alerta: mera denúncia do capitalismo é ineficaz – e pode favorecer saídas de ultra-direita
Entrevista a Jonathan Derbyshire, da Prospect Magazine | Tradução: Vila Vudu

David Harvey

A onda de protestos de rua que se espalha pelo mundo desde janeiro de 2011 tem produzido, em seu rastro, um debate revelador. No Brasil, por exemplo, o primeiro aniversário das “jornadas de junho” será lembrado pelo lançamento de livros e filmes. O mais estrepitoso deles é o de um documentário produzido pela “Folha de S.Paulo” – o mesmo jornal que recomendou à prefeitura da cidade e à Políica Militar, em 13 de junho de 2013, vetar1 manifestações na avenida Paulista, para o bom fluxo do tráfego de automóveis… Se a mesma Folha tenta agora celebrar o movimento é porque procura “capturá-lo”, conduzindo-o para pautas opostas à reivindicação de direitos sociais e igualdade – que tanto incomodava seus editorialistas há um ano.

Mas há espaço para esta captura? O geógrafo e antropólogo David Harvey pensa que sim – e está empenhado em articular uma contra-ofensiva. Lançada no início de abril, em inglês, sua obra mais recente – “17 Contradições e o fim do Capital” – parece dedicada a isso. Harvey falou sobre o livro em enteveista ao jornalista inglês Jonathan Derbyshiere. Vale a pena seguir o raciocínio deste marxista heterodoxo, formulador histórico de reivindicações, propostas e conceitos relacionados ao Direito à Cidade.

Um dos traços surpreendentes do cenário internacional, começa Harvey, é a “miséria de pensamento novo e novas políticas”. Confrontadas pela crise econômica – que já entrou no sexto ano e para a qual não há saída à vista –, as classes dominantes não parecem preocupadas em buscar opções. Seu discurso de aparente preocupação em face da desigualdade não se materializa em ações concretas: parece mera peça de retórica. Por que tal paralisia?

É evidente, diz o geógrafo, que as elites globais sentem-se seguras de seu poder. Percebem que faltam alternativas. Há, é certo, muitos protestos. Mas não parecem a ponto de passar de uma fase primitiva – a da crítica ao sistema – e evoluir para o que pode de fato ameaçá-lo: a proposição de projetos pós-capitalistas.

Harvey teme, aliás, que os protestos sejam capturados por forças retrógradas e mesmo fascistas, caso não evoluam. Somadas, crise e a falta de perspectivas geram, frisa ele, um ambiente de desesperança mórbida. Nos EUA, por exemplo, “70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz”. As respostas são múltiplas. Certos grupos buscam um futuro “distante da cultura da mercadoria”. Mas outros, ao contrário, refugiam-se no consumismo ou na negação completa da política. Estes podem ser mobilizados para sentimentos e saídas retrógradas – como buscar de uma autoridade salvadora, ou atirar sobre o estrangeiro (o “outro”) o peso de suas frustrações.

A nova obra de Harvey é, tudo indica, a maneira concreta que o autor encontrou de encarar este risco sem resvalar para o pessimismo. “Há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento e é fonte de alguma esperança”, diz ele em certo ponto da entrevista a Derbyshire. Mas esta esperança não se realizará por si mesma. Para tanto, é preciso “resistir contra um retrocesso de direita, atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista”. Por isso mesmo, o livro propõe, em sua parte final, dezessete ideias para a prática política – mais especificamente, para “o novo modo de fazer política”, que, segundo Harvey, está emergindo diante de nossos olhos.

No diálogo com Derbyshire, Harvey aborda ainda a polêmica em torno da institucionalização dos novos movimentos (ele defende a construção de híbridos de movimentos e partidos, como o Syriza grego); a presença de um setor anti-Estado nas manifestações; a relação entre determinismo e marxismo (Marx, diz Harvey, nunca afirmou que o capitalismo desabaria sobre si próprio inevitavelmente); o pepel do Occupy (e de Thomas Piketty) na denúncia da desigualdade; o divórcio cada vez mais profundo entre capitalismo e democracia. Eis, a seguir, a entrevista (A.M.)

livro David Harvey“17 Contradições e o fim do Capital” o mais recente livro de David Harvey
No início do livro, o senhor observa, como outros também observaram, que há algo de diferente na mais recente crise do capitalismo, a crise financeira global de 2008. “Seria de esperar que todos” – o senhor escreveu lá – “tivessem diagnósticos concorrentes a oferecer sobre o que está errado, e que houvesse uma proliferação de propostas de o que fazer para corrigir tudo. O que mais surpreende hoje é a miséria de pensamento novo e de novas políticas.” Por que não há nem diagnósticos nem propostas nem ideias novas? 
Uma hipótese é que a concentração de poder de classe que se vê hoje é de tal modo gigantesca, que não há por que a classe capitalista precise ou queira ver qualquer tipo de pensamento novo. A situação, por mais que seja disruptiva para a economia, não é necessariamente disruptiva para a capacidade de os ricos acumularem mais riqueza e mais poder. Assim sendo, há claro interesse em manter as coisas como estão. O que é curioso é que havia também, é claro, muito interesse em manter as coisas como estavam nos anos 1930s, mas ele foi atropelado por Roosevelt, pelo pensamento keynesiano etc.

Isso posto, o senhor aceita, no livro, que há elementos na classe capitalista, na classe intelectual, que reconhecem a ameaça – isso que o senhor chama de “contradições” do capitalismo. Exemplo notável é a discussão da desigualdade. 
Credito ao movimento Occupy ter lançado e posto em circulação essa nova narrativa. O fato de que temos em Nova York um prefeito completamente diferente do que havia antes e que disse que vai fazer tudo que puder para reduzir a desigualdade, a própria possibilidade dessa discussão é coisa que brotou diretamente do movimento Occupy. É interessante que todos sabem do que você está falando, sempre que se fala do “1%”. A questão do 1% foi afinal posta na agenda e se tornou objeto de estudos em profundidade, como, por exemplo, o livro de Thomas Piketty, O Capital no século 21. Joseph Sitglitz também tem um livro sobre desigualdade e vários outros economistas estão falando do assunto. Até o FMI já está dizendo que há um perigo específico que surge quando a desigualdade alcança determinado nível.
livro David Harvey

Até Obama já anda dizendo isso!
Mas Obama nada diria sobre isso se o movimento Occupy não tivesse aberto a trilha. E quem está oferecendo alguma resposta ao problema? De que modo alguma coisa está sendo realmente mudada? Se se consideram as políticas reais, vê-se que as desigualdades continuam a se aprofundar. Há reconhecimento apenas retórico do problema, mas não há reconhecimento político, em termos de políticas ativas e redistribuição ativa.

O senhor falou de Occupy. No livro, o senhor critica muito duramente os setores dos novos movimentos que vê como, predominantemente, ultra-liberais e anti-Estado.
Tenho uma regra que por definição nunca falha: o modo de produção dominante, seja qual for, e sua articulação política, criam a forma de oposição contra eles. Assim, as grandes fábricas e grandes corporações – General Motors, Ford etc., – criaram uma oposição baseada no movimento trabalhista e nos partidos da social-democracia. O rompimento dessa ordem – e vivemos hoje precisamente o momento desta – criou um tipo de oposição dispersa que precisa usar algumas linguagens específicas para suas reivindicações.
Parte da esquerda não dá sinais de perceber que muito do que diz é consistente com a ética neoliberal, ao invés de lhe fazer oposição… Parte do anti-estatismo que se encontra hoje na esquerda casa-se perfeitamente com o anti-estatismo do capital empresarial corporativista.
Preocupa-me muito que não se ouça pensamento da esquerda que diga “Vamos nos afastar dessas narrativas e observar o quadro completo.” Espero que meu livro contribua para que tenhamos isso.

O livro conclui num lugar interessante – com algo como um programa, 17 “ideias para a prática política”. Mas não aparece a pergunta (embora possa estar implícita no que o senhor acabou de dizer), sobre qual é a organização apropriada para realizar aquele programa. Não se sabe onde encontrá-lo. Não é óbvio que o encontraremos.
Uma das coisas que temos de aceitar é que está emergindo um  novo modo de fazer política. No presente, ainda é muito espontaneísta, efêmero, voluntarista, com alguma relutância a deixar-se institucionalizar. Como poderá ser institucionalizado é, creio eu, questão aberta. E não tenho resposta para isso. Mas é claro que, de algum modo, terá de institucionalizar-se ou ser institucionalizado. Há novos partidos começando a emergir – o Syriza na Grécia, por exemplo. O que me preocupa é o que comento no livro como um estado de alienação em massa, que está sendo capitalizado amplamente pela direita. Há sim, portanto, alguma urgência em tratar da questão de como nós nos institucionalizaremos como força política, para resistir contra um retrocesso de direita e atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista.

O senhor descreve seu livro como uma tentativa para expor as contradições, não do “capitalismo”, mas do “capital”. O senhor pode explicar essa diferença?
Essa diferença vem de minha leitura de Marx. Pensa-se quase sempre que Marx teria criado alguma espécie de compreensão totalizante do capitalismo, mas ele não fez nada disso. Marx não arredou pé da economia política e manteve seus argumentos sempre na linha de como opera o motor econômico de uma economia capitalista. Se você isola o motor econômico, você consegue ver quais serão os problemas daquela economia.

Não implica dizer que não haverá outros tipos de problemas numa sociedade capitalista – é claro que há racismo, discriminação por gênero, problemas geopolíticos.  Mas a questão que me preocupava ao escrever esse livro era outra, mais limitada: como funciona o motor da acumulação de capital?
Já estava bem claro desde o estouro da crise, em 2007/8 que havia alguma coisa errada com o próprio motor. E dissecar o que esteja errado com o motor já será um passo na direção de política mais ampla. Esse motor econômico é muito complicado. E Marx criou um meio para compreender o motor econômico, servindo-se de ideias como “contradição” e “formação-de-crises”.

Mais uma questão de definição: o que é capital?
Capital é o processo pelo qual o dinheiro é posto em ação para que se obtenha mais dinheiro. Mas é preciso muito cuidado, se só se fala de dinheiro, porque em Marx há uma relação muito complexa, como aponto no livro, entre “valor” e “dinheiro”. O processo é de busca de valor para criar e apropriar-se de mais valor. Mas esse processo assume diferentes formas – a forma dinheiro, de bens e mercadorias, processos de produção, terra… Ele tem manifestações físicas mas, no fundamento, não é coisa: é um processo.

Voltemos à noção de “contradição”, que é a categoria analítica central no livro. O senhor fez uma distinção entre os choques externos pelos quais pode passar uma economia capitalista (guerras, por exemplo) e contradições, no seu sentido da palavra. Assim, por definição, contradições são internas ao sistema capitalista?
Sim. Se você quiser redesenhar o modo de produção, é preciso, então, responder as questões postas pelas contradições internas.

O senhor identifica três classes de contradições, que o senhor chama de “fundacionais”, “mutantes” e “perigosas”. Comecemos pela primeira categoria: o que torna certas contradições “fundacionais”?
Não importa onde esteja o capitalismo e o modo de produção capitalista, você sempre encontrará essas contradições em operação. Em qualquer economia – seja a China contemporânea, o Chile ou os EUA – a questão do valor de uso e do valor de troca, por exemplo, lá estará, sempre. Há algumas contradições que são traços permanentes de como o motor econômico está montado. E há outras que mudam constantemente ao longo do tempo. Eu quis distinguir as que são relativamente permanentes e as outras, que são muito mais dinâmicas.

Algumas contradições fundacionais são mais fundacionais que outras? Um dos traços que mais chamam a atenção no livro é que tudo, no seu modelo analítico, parece derivar, no fundo, da diferença entre valor de troca e valor de uso. 
Ora… esse é o ponto inicial da análise. Sempre me chamou a atenção que Marx dedicou muito tempo para demarcar o ponto no qual sua análise começaria. E decidiu começar por aí, porque é o ponto de partida mais universal. Mas o que mais me impressiona – e trabalho com Marx há muito, muito tempo – é o quanto as suas contradições são intimamente interligadas. Você percebe que essa distinção entre valor de uso e valor de troca pressupõe alguma coisa sobre propriedade privada e o Estado, por exemplo.

Outra das suas contradições fundacionais é entre “propriedade privada e o Estado capitalista”. Quer dizer: a tensão ou a contradição entre os direitos individuais de propriedade e o poder coercivo do Estado. Agora, imaginemos alguém como Robert Nozick, criado na tradição liberal, lockeana, que chega e diz que não há aí qualquer contradição. Ao contrário: o papel do estado “mínimo” é proteger a propriedade privada.
Uma das coisas que digo sobre contradições é que elas estão sempre latentes. Por isso, a existência de uma contradição não gera, necessariamente, uma crise. Gerará sob certas circunstâncias. Portanto, é possível construir teoricamente a ideia de que tudo que um Estado “guarda-noturno” faz é proteger a propriedade privada. Mas sabemos que esse Estado “guarda-noturno” tem muito mais a fazer. Há externalidades no mercado que têm de ser controladas; há bens públicos que têm de ser fornecidos – e assim, muito rapidamente, o Estado acaba por se envolver em todos os tipos de atividades, muito além de apenas cuidar do quadro legal dos contratos e dos direitos à propriedade privada.

O senhor nega que haja qualquer conexão necessária entre capitalismo e democracia. Pode explicar por quê? 
A questão da democracia depende muito de definições. Supostamente haveria democracia nos EUA, mas é claro que não há. É uma espécie de farsa, de engodo – é a democracia do poder do dinheiro, não do poder do povo. Em minha avaliação, desde os anos 1970, a Suprema Corte legalizou o processo pelo qual o poder do dinheiro corrompe o processo político.

Há um aspecto do poder do Estado que avançou para o centro do palco na crise recente e imediatamente depois, sobretudo durante a crise da dívida na zona do euro: falo do poder dos bancos centrais. O senhor acha que a função dos bancos centrais mudou de modo significativo durante a era dos “resgates”?
Evidentemente mudou. A história dos bancos centrais é, ela própria, terrivelmente interessante. Não tenho certeza de que o que o Federal Reserve fez durante a crise tenha tido qualquer base legal. O Banco Central Europeu, por sua vez, é caso clássico do que Marx disse, quando comentou a Lei dos Bancos de 1844, a qual, para ele, teve o efeito de estender e aprofundar a crise de 1847-8 na Grã-Bretanha.

Há um conceito ao qual o senhor volta várias vezes no livro: o conceito de “conversão em mercadoria”, ou mercantilização. 
O capital trata, sempre, da produção de mercadorias. Se há terreno não-mercadorizado, ali o capital não entra nem circula. Um dos meios mais fáceis para o capital conseguir penetrar aquele espaço é o Estado impor ali um sistema de privatização – ainda que privatize algo que é só ficcional. Os créditos de carbono, por exemplo – trocar direitos de poluir é excelente exemplo de mercadoria criada por processo ficcional, que tem efeitos muito reais sobre o volume de dióxido de carbono na atmosfera, e assim por diante. Criar mercados onde antes não havia é um dos meios pelos quais, historicamente, o capital expandiu-se.

O senhor foi pesadamente influenciado pelo trabalho de Karl Polanyi nessa área, não? Especificamente a obra prima dele, A Grande Transformação. [2]
Polanyi não era marxista, mas compreendia, como Marx também compreendeu, que terra, trabalho e capital não são mercadorias no sentido ordinário, mas que assumem uma forma de mercadoria.

Um dos aspectos mais impressionantes e mobilizadores do livro é o relato que o senhor faz dos custos humanos da conversão em mercadoria – especificamente a conversão em mercadoria daquelas áreas da experiência humana que antes não eram parte do “nexo dinheiro”. Há aí uma conexão com o que o senhor chama de “alienação universal”. O que é isso? 
Vivemos há tempos num mundo no qual o capital lutou sem parar para diminuir o trabalho, o poder do trabalho, aumentando a produtividade, removendo o aspecto mental dos serviços e empregos. Quando você vive em sociedade desse tipo, surge a questão de como alguém pode encontrar algum significado na própria vida, dado o que se faz como trabalho, no local de trabalho. Por exemplo, 70% da população dos EUA ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz. Em mundo desse tipo, as pessoas têm de encontrar alguma identidade para elas mesmas que não seja baseada na experiência do trabalho.

Sendo assim, surge a questão do tipo de identidade que as pessoas podem assumir. Uma das respostas é o consumo. E temos um tipo de consumismo irrefletido que tenta compensar a falta de significação de um mundo no qual há bem poucos trabalhos com algum significado. Irrita-me muito ouvir políticos dizer que “vamos criar mais empregos”… Mas que tipo de empregos?
A alienação brota, entendo eu, de um sentimento de que temos capacidade e poder para ser alguém muito diferente do que é definido por nossas possibilidades. Daí surge a questão de até que ponto o poder político é sensível à criação de outras possibilidades? As pessoas olham os partidos políticos e dizem “Aqui, não há nada que preste.” Há, pois, a alienação que empurra para longe do processo político, que se manifesta em comparecimento declinante nas eleições; há a alienação para longe da cultura da mercadoria, também, que cria uma carência e o correspondente desejo por um outro tipo de liberdade. As irrupções periódicas que foram vistas pelo mundo – parque Gezi em Istanbul, manifestações no Brasil, quebra-quebra em Londres em 2011 – obrigam a perguntar se a alienação pode vir a ser uma força política positiva. E a resposta é sim, pode, mas não se vê nada parecido nos partidos ou movimentos políticos. Viram-se alguns elementos disso no modo como o movimento Occupy ou os Indignados na Espanha tentaram mobilizar pessoas, mas foi coisa efêmera e não amadureceu em ação mais substancial. Mesmo assim, há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento, e é fonte de alguma esperança.

Quando o senhor discute as contradições “perigosas”, o senhor oferece o que me parece ser uma versão do materialismo histórico de Marx. Quero dizer: o senhor pensa, como Marx, que o presente está grávido de futuro, embora o senhor não pense de modo determinista… Acho também que o senhor não vê nada de determinismo, tampouco, no próprio Marx. Estou certo? 
Não vejo, não, nada de determinismo em Marx. Há quem diga que Marx teria dito que o capital desabará sob o peso de suas próprias contradições, e que Marx teria uma teoria mecanicista das crises das crises capitalistas. Mas jamais encontrei uma linha em que Marx tenha escrito coisa semelhante! O que Marx, sim, disse é que as contradições do capitalismo estão no coração das crises e que crises são momentos de oportunidade.

Marx também disse que os seres humanos podem criar a própria história, mas que não escolhem as condições sob as quais criarão a própria história. Para mim, portanto, há um Marx que, embora não seja liberal, diz que os seres humanos são capazes de decidir coletivamente, de empurrar as coisas mais para uma direção, que para outra. Marx criticou o socialismo utópico, porque entendia que o socialismo utópico não lidava com o onde estamos. Marx disse que é preciso analisar onde se está, ver o que é viável para nós e, na sequência, tentar construir algo radicalmente diferente.

 1 Em editorial, a Folha propunha que as autoridades proibissem qualquer protesto em via pública que não fosse anunciado com 30 dias de antecedência; e que simplesmente banissem as manifestações “potencialmente mais perturbadoras”

[2] http://historialecionada.com/2013/05/01/baixe-o-livro-a-grande-transformacao-de-karl-polanyi/


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Erick Costa
Com mais de 500 mil downloads o ZAP-ZAP é um daqueles fenômenos da internet que dá orgulho para nós brasucas-paraenses. O aplicativo desenvolvido na plataforma aberta Telegram - "um aplicativo de licença aberta criado pelo russo Pavel Durov - isso significa que, assim como Costa, qualquer pessoa poderia modificar o programa e fazer a sua própria versão."

O aplicativo desenvolvido pelo mosqueirense Erick Costa possui algumas vantagens sobre o concorrente mais famoso, o WhatsApp, entre outras "a possibilidade de enviar mensagens que se autodestroem, imagens sem limite de tamanho e ainda, a possibilidade de utilizar o serviço pelo computador." Enfim, vá lá e confira você também o desempenho do ZAP-ZAP, nós já estamos testando, e você?
Zap Zap

O sucesso do aplicativo despertou curiosidade na mídia Brasil a fora. Confira a seguir alguns links sobre o ZapZap do Erick Costa, confira:

"'O programa não rende quase nada', diz paraense criador do ZapZap": http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2014/06/o-programa-nao-rende-quase-nada-diz-paraense-criador-do-zapzap.html

"Conheça o ZapZap, aplicativo brasileiro concorrente do WhatsApp": http://canaltech.com.br/noticia/apps/Conheca-o-ZapZap-aplicativo-brasileiro-concorrente-do-WhatsApp/

"Aplicativo ZapZap, criado no Pará, quer ser versão brasileira do WhatsApp" (UOL):  http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/28/aplicativo-zapzap-criado-no-para-quer-ser-versao-brasileira-do-whatsapp.htm



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