PT: Resolução sobre a situação política

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REUNIÃO DO DIRETÓRIO NACIONAL DO PT
São Paulo, 29 de julho de 2013

Resolução sobre a situação política

"...vivemos, agora, um novo desafio histórico. O desafio de acolher e atender as reivindicações e os anseios que surgiram nas nossas ruas. Ao promover ascensão social e superar a extrema pobreza, como estamos fazendo, criamos um imenso contingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciência de seus direitos. Um cidadão com novas vontades, novos desejos e novas demandas. As manifestações são parte indissociável de nosso processo de ascensão social. Não pediram a volta ao passado. Pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos, mais democracia, e mais conquistas sociais."

Dilma Rousseff, Carta ao PT, 20 de julho de 2013.

- I -
Uma nova conjuntura se apresenta no Brasil desde junho. Manifestações que irromperam em luta contra o aumento das tarifas de ônibus, e que traziam consigo a insatisfação com a qualidade do serviço (lentidão, desconforto, insegurança), evoluíram, em parte pela repressão policial do governo Alckmin, para uma pauta ampla e difusa, alcançando mais de um milhão de pessoas no momento de mais forte participação. A mídia conservadora, que no primeiro momento atacou a luta do MPL (Movimento Passe Livre), passou a divulgar e incentivar a participação, visualizando uma oportunidade de dirigir as insatisfações contra o PT e o governo Dilma. Depois, quando setores pautaram a democratização dos meios de comunicação, retraiu o entusiasmo, mas prosseguiu na disputa sobre a versão do ocorrido.

Política e socialmente heterogêneas, e assumindo formas e conteúdos em cada etapa, as manifestações tiveram como principal característica o caráter explosivo e espontâneo, surgindo à margem das instituições tradicionais de representação e organização.

Essas manifestações transformaram o cenário político nacional. Introduziram um novo tipo de mobilização, convocada fora das formas e de atores políticos e sindicais dos últimos trinta anos. Potencializaram o papel da internet e das redes sociais. E deixaram perplexidade no mundo político institucional. Tudo isso num cenário socioeconômico de dez anos de avanços e democracia.

As manifestações não tiveram pauta trabalhista, como emprego e renda. A maioria das pessoas, além de repudiar a violenta repressão policial ocorrida, pedia qualidade na mobilidade urbana, na Saúde e Educação públicas, manifestavam um sentimento de não-representação pelos partidos e governos, um repúdio geral à corrupção e uma certa catarse cívica, com a bandeira e o hino nacional significando uma vontade de pertencimento nacional. Claro, sem desconhecer que setores da direita e extrema-direita tentaram se aproveitar, sem ignorar a manipulação midiática e grupos de vândalos, alguns aparentando pertencer a milícias, às próprias polícias ou empresas de segurança, pela maneira como agiram.

As conquistas sociais de 10 anos de governos petistas, reconhecidas nacional e internacionalmente, com 40 milhões deixando a miséria e outros milhões ascendendo à classe C, vinte milhões de novos empregos, valorização do salário mínimo e dos salários em geral, maior acesso à casa própria e ao automóvel e eletrodomésticos, oportunidades de acesso ao ensino superior pelo PROUNI e FIES, outras políticas de inclusão e combate à miséria e às discriminações são importantes, embora consideradas insuficientes visto que o Brasil, apesar de todas essas mudanças, permanece um país injusto e desigual, e que vários direitos constitucionais inexistem na prática, na qualidade e na universalidade.

Tomado de conjunto, o movimento iniciado em junho foi e continua a ser disputado entre as forças que exigem mais reformas, com maior profundidade e velocidade, e a oposição de direita, que pretende conduzir as ruas para se oporem ao projeto democrático e popular.

Essa contraposição esteve presente nas bandeiras de luta desfraldadas nas manifestações. As reivindicações pela redução da tarifa de transporte urbano, por saúde e educação de qualidade expressam anseios que remetem para o fortalecimento do Estado, a melhoria dos serviços públicos, o aumento dos gastos sociais e a universalização de direitos. Complementam-se com a crítica e a resistência à criminalização dos protestos e à violência policial que caracterizaram a intervenção de algumas administrações estaduais, especialmente a do governador paulista Geraldo Alckmin e a do carioca Sérgio Cabral.

O PT, que nasceu nas ruas e nos locais de trabalho, foi desafiado a reformular sua análise e propor novos desafios à Nação. Cabe ao PT propor um novo pacto político programático, democrático e popular, capaz de unificar os partidos da base que dialoguem com essa nova conjuntura e movimentos sociais, inclusive os novos modos de organização, debate e mobilização.

A resposta está na afirmação do princípio da soberania popular. O povo deve decidir se deve haver uma reforma política e como deve ser feita. Daí a proposta de um plebiscito nacional que ouça efetivamente a vontade popular sobre o tema e que permita ampliar a cultura da participação.

- II -
Politicamente, a principal indicação das ruas em junho foi a rejeição popular às instituições herdadas da transição conservadora à democracia e, de maneira geral, à conduta predominante entre os políticos profissionais. Ao mesmo tempo, as manifestações propuseram ampliação de direitos, confirmando conquistas desses dez anos. Demonstramos ser possível enfrentar a maré conservadora no emprego e no salário e na forma de enfrentar a crise econômica que iniciou em 2008 e permanece em 2013. O espaço novo é para que a democracia assegure serviços públicos condizentes com o que está escrito na Constituição Federal de 1988.

A Constituição de 1988, marcada por importantes avanços nos direitos econômicos e sociais, deixou praticamente intocados muitos dos mecanismos concebidos, no outono da ditadura, para preservar o poder das oligarquias. O financiamento empresarial das campanhas eleitorais, o voto uninominal, a desproporção das representações estaduais, o nepotismo e a corrupção são alguns dos ingredientes que levaram à crise de legitimidade do sistema político.

De um ponto de vista mais estrutural, o alcance e a profundidade das manifestações confirmam, a partir do ângulo partidário, que a estratégia de mudanças nos marcos da velha ordem institucional revela fortes sinais de fadiga.

Vitoriosos na eleição presidencial de 2002, mas sem dispor de uma maioria parlamentar de esquerda, o PT e o governo executaram uma política de alianças com parceiros que não se dispunham – nem se dispõem – a romper com os limites da institucionalidade conservadora.

Naquele momento, prevaleceu a idéia segundo a qual priorizar o debate nacional sobre reforma política e radicalização democrática do Estado poderia levar o bloco progressista ao isolamento e à paralisia. O caminho trilhado foi dar centralidade a programas que debelassem paulatinamente o modelo rentista, reconstruíssem a estrutura do Estado, melhorassem a distribuição de renda e expandissem o mercado interno de massas como motor da recuperação econômica.

A eleição do presidente Lula, nas circunstâncias de então, oxigenava o poder público e criava as possibilidades para mudanças imediatas que atendessem anseios dos trabalhadores e demais camadas populares. Sua recondução ao Palácio do Planalto, em 2006, sucedida pela vitória da atual presidente em 2010, parecia fornecer suficiente combustível político para o avanço do projeto liderado pelo Partido dos Trabalhadores.

As dificuldades começaram a ser crescentes, porém, quando o sucesso da primeira geração de reformas, baseada na reorientação do orçamento nacional e dos fundos públicos, colocou o país em outro patamar de desafios. Neste sentido, é correto dizer que as manifestações são conseqüência combinada dos êxitos e dos limites das mudanças realizadas no Brasil, ao longo dos últimos 10 anos.

A presidenta Dilma Rousseff, ao lançar a proposta de plebiscito para a abertura de processo constituinte, foi ao âmago do problema: a reforma política, vertebrada pela intervenção direta da cidadania, é a questão central para resolver contradições claramente desnudadas nas manifestações populares.

- III -
Além da questão da representação política, outras questões se colocam como desafios: a expansão de programas e direitos sociais passam a depender da redução na transferência de recursos ao capital financeiro através dos juros da dívida pública, da diminuição dos lucros corporativos nos contratos com o governo e nos serviços públicos, da repartição das riquezas naturais e de um regime de tributação que aumente a contribuição dos setores mais ricos.

A pressão das elites rentistas, em ambiente de menor crescimento econômico, dirige-se no sentido oposto: corte nos gastos públicos, maior superávit fiscal, aumento dos juros, maiores taxas de retorno para seus investimentos. O principal porta-voz dessa trava ao desenvolvimento está nos monopólios de comunicação, mas freios importantes são estabelecidos pela hegemonia conservadora sobre instituições do aparelho de Estado.

Essa barricada de interesses, representações e classes ergue obstáculos para a ação do governo, reduz o ritmo das melhorias sociais e gera frustração no atendimento das reivindicações. Além da perda de credibilidade, o sistema político vigente bloqueia as chances para a formação de uma maioria mais progressista e estrategicamente articulada com o projeto que preside o país.

- IV -
A condução de uma nova etapa do projeto popular exige retificações na linha política do PT e do governo, que se reflitam na atualização do programa e na consolidação de estratégia que expresse a radicalização da democracia.

As mobilizações, ao mesmo tempo em que revelam o exaurimento das instituições e certo esgotamento do avanço das reformas dentro da velha ordem, abrem novas e melhores oportunidades para que o PT e o governo recoloquem, no topo de sua agenda, a universalização e qualidade dos serviços públicos, o aprofundamento da democracia e das reformas sociais.

É importante considerar a dimensão simbólica da política, que passa também pela recuperação da utopia ideológica que contagiou o país há mais de 30 anos e que hoje aparece apenas como uma representação do status quo para boa parte da população.

A reforma política, com a proibição e criminalização do financiamento empresarial privado para campanhas eleitorais e partidos políticos, além de medida democratizante, é parte essencial da luta contra a corrupção. Trata-se de deter a chamada americanização da política brasileira, que mimetiza os piores hábitos da política dos Estados Unidos, dominada pelo dinheiro das grandes empresas, pelo oligopólio da comunicação e pela ditadura do marketing eleitoral.

O Diretório Nacional considera fundamental a democratização dos meios de comunicação, com a regulamentação do princípio constitucional que veda a existência de monopólios midiáticos e a expansão de instrumentos para o exercício plural da liberdade de imprensa e expressão. Igualmente importantes são o fortalecimento da EBC e da Telebras, a revisão dos critérios de veiculação que privilegiam os grandes grupos de mídia, a aprovação do marco civil da internet e a regulamentação democrática das rádios comunitárias, entre outras. O PT apoia o PLIP – Projeto de Lei de Inciativa Popular de Lei da Comunicação Social Eletrônica, proposto pelo FNDC, cuja coleta de assinaturas está em andamento.

É também eixo articulador para essa agenda do futuro a luta pela reforma tributária progressiva, que reduza impostos cobrados dos setores assalariados de menor renda e sobre o consumo e a produção, elevando a carga fiscal sobre os mais ricos e as grandes fortunas e grandes lucros.

Nosso compromisso fundamental é com a universalização de direitos, o aumento de emprego e a renda, a melhoria da saúde e da educação, a resolução dos problemas das grandes metrópoles. O enfrentamento dessas questões pressupõe forte movimento de redistribuição da renda e riqueza, que fortaleça a capacidade de investimento de Estado, multiplique oportunidades para todos e reduza mais velozmente a desigualdade que ainda é grande, apesar dos grandes avanços dos nossos dez anos de governo.

As alianças para a efetivação desse programa democrático vão além dos acordos parlamentares necessários. Englobam todos os partidos de esquerda, movimentos sociais e coletivos autônomos que estejam dispostos a cerrar fileiras para defender uma pauta de reformas populares. Neste mesmo sentido, o DN apoia a iniciativa da presidenta Dilma Rousseff, de propor os 5 pactos e de realizar audiências para debatê-los com movimentos sociais e partidos.

O partido deve organizar uma campanha de mobilização pela reforma política através de plebiscito, cujas decisões tenham validade para as eleições de 2014, que comporte a ampla utilização das novas tecnologias da informação e comunicação para promover o mais amplo debate sobre a transformação de nosso sistema político de representação. Assim, consultas e petições on-line, apoiadas na força mobilizadora das redes sociais, podem estimular a participação ativa de nossa militância nos debates.

O PT apoiará todos os projetos de iniciativa popular, apresentados ao Congresso Nacional, que apontem para a redução da influência do poder econômico nas eleições e que aperfeiçoem os instrumentos de participação popular, e lutará para sua aprovação a tempo de sua aplicação nas eleições de 2014.

- V -
Principal base de apoio ao governo da presidente Dilma, o Partido dos Trabalhadores deve se reafirmar como representante dos setores populares e seus interesses no interior do governo de coalizão.

O Diretório Nacional chama à mobilização da sociedade para defender as políticas de saúde, de educação e de mobilidade urbana, entre outras. Destacamos a defesa do SUS, do Programa Mais Médicos e da fiscalização rigorosa dos planos privados de saúde, além da aprovação de 100% dos royalties do pré-sal para educação e saúde. Destacamos também a necessidade da reforma urbana, dentro do princípio constitucional da função social da propriedade.

O PT saúda o Dia Nacional de Luta, realizado em 11 de julho por convocação das centrais sindicais e movimentos sociais. Foi um passo bem-sucedido para o a mobilização organizada e unitária como ferramenta prioritária da intervenção do campo progressista nas lutas sociais. O PT continua apoiando a luta da CUT e das Centrais Sindicais com os movimentos sociais cuja agenda prevê agora um Dia Nacional de Paralisação em 30 de agosto pela pauta dos trabalhadores. Neste sentido, conclama nossa militância, sobretudo a juventude, a se engajar na organização e nas manifestações programadas para a Segunda Jornada de Lutas da Juventude, de 28 de agosto a 7 de setembro. É com luta social nas ruas que se conquistam mais avanços e é nas ruas que se consertam o rumos da política. Torna-se mais que necessário estar nas ruas, praças, avenidas, universidades, escolas que coloquem no centro da agenda as lutas da juventude como elemento de um pacto de transição geracional.

As tarefas do partido exigem inovações no modelo de organização, formação e comunicação. A preparação de campanhas eleitorais e a intervenção na institucionalidade devem dividir espaço e tempo com a batalha de ideias, a ação nas lutas sociais e a mobilização dos setores populares, especialmente a juventude. As jornadas de formação política previstas para o segundo semestre de 2013 devem ser colocadas a este serviço.

O DN orienta seus parlamentares e membros dos Executivos a potencializar os mecanismos de consulta e participação popular e o engajamento na mobilização, na disputa ideológica contra o conservadorismo e na defesa pública das reformas democráticas e populares.

O PT deve seguir no debate do balanço dos dez anos de conquistas sociais e políticas, inclusive no combate à corrupção sistêmica no Brasil e apoiar as medidas de prevenção, controle e punição, que Dilma e Lula, no campo do Legislativo e Executivo, vêm implantando.  Isto é fundamental para derrotar as estratégias neoliberais que usam esse tema para atacar as gestões democráticas e populares.

Especial atenção deve ser dada à comemoração do Grito dos Excluídos e da Independência, no dia 7 de setembro. O Diretório Nacional prepara um texto para ampla distribuição, reafirmando as conquistas de nosso projeto, de nossos governos, de nossos partidos e organizações, mas principalmente de nossas bandeiras, a começar pela reforma tributária, pela reforma política, pela democratização da comunicação e por um novo ciclo de desenvolvimento econômico, baseado na ampliação do investimento público, obras e políticas sociais, na reforma urbana e na segurança alimentar.

O Diretório Nacional do PT conclui saudando a firme reação da presidenta Dilma Rousseff, tanto ao ato de pirataria cometido contra o presidente Evo Morales e o povo da Bolívia, quanto às atividades de espionagem eletrônica  praticadas pelo governo dos Estados Unidos. O Diretório Nacional soma-se às vozes que defendem medidas duras em defesa dos interesses nacionais e dos direitos humanos, aí incluindo o oferecimento de asilo ao ex-agente da CIA Edward Snowden. As bandeiras da democracia e dos direitos humanos são e continuarão sendo um componente essencial da política do governo brasileiro.

O Diretório Nacional do PT encara com otimismo a nova realidade do país. Sabemos ter pela frente um período de intensa luta política e ideológica, incluindo as eleições presidenciais, para governos estaduais, senadores, deputados federais e estaduais. Sabemos, igualmente, que para estar à altura destes desafios, nos caberá analisar o novo quadro, reconhecer com humildade os erros cometidos e reciclar nosso programa, estratégia e condutas tendo o 5o. Congresso, em dezembro, como ponto alto desta reflexão.

Sabemos que as novas gerações, especialmente a nova classe trabalhadora, nos observam de maneira crítica. Sabendo disto tudo e sem minimizar as dificuldades, confiamos que os compromissos programáticos mais profundos do PT, assim como nossos vínculos sociais, nos permitirão - como em outros momentos de nossa história - abrir um novo período na luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil.


São Paulo, 29 de julho de 2013.

Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores.


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