por Paulo Moreira Leite
Neste
momento, o quadro do julgamento do mensalão parece claro. Joaquim
Barbosa sustenta aquilo que o ministério público define como
“organização criminosa” dedicada a ”comprar” votos para o governo. Não
há apoio político. Não há verba de campanha. Há “propina”, diz Joaquim
Barbosa.
O
voto de Joaquim merece elogios e reconhecimento. É um voto competente,
bem articulado e coerente. Não faltam exemplos nem casos. Discordo de
seu esforço para criminalizar a atividade política. Fala em “interesse
dos corruptores” para definir a ação
da
bancada do governo no Congresso. Toda partilha de verbas é definida
como “vantagem indevida.” Este é o preço que ele paga pelo esforço em
despolitizar uma discussão que é politica em todos os sentidos.
Mas
é preciso admitir que Joaquim Barbosa está inteiramente convencido
daquilo que diz. Não faz teatro nem joga. Não quer agradar a mídia –
embora, em grande maioria, ela esteja adorando o que ele diz e sustenta.
Isso lhe garante um tratamento positivo. Ao contrário do que ocorria em
passado recente, quando Joaquim entrou em choque com Gilmar Mendes.
A
julgar pelo aconteceu até agora, parece claro que, salvo casos menores,
os réus mais importantes – como José Dirceu, Delúbio Soares, José
Genoíno – têm grandes chances de serem condenados a penas severas.
Está tudo resolvido? Não acho.
Até
agora não encontrei uma única notícia do dinheiro que, desviado no
Visanet, e também junto a empresários, nem todos chamados a sentar-se no
banco dos réus, foi recolhido pela “organização criminosa”. Não acho
uma notícia irrelevante.
É frustrante. Como dizia o editor do Washington Post, o jornal do Watergate, ao estimular seus repórteres: ”Follow the money”
Os
petistas dizem que foram recursos para campanha, em especial para as
eleições municipais de 2004. As 317 testemunhas ouvidas no inquérito
dizem a mesma coisa. A leitura do relatório da Polícia Federal – que
descreve com maestria o milionário desvio no Visanet – não contém uma
palavra sobre isso. Diz textualmente que foi possível encontrar a origem
mas não se chegou ao destino do dinheiro.
Joaquim
diz e repete, ora com ironia, ora com indignação, mas sempre com fatos e
argumentos, que não acredita que os recursos se destinavam a campanha
eleitoral. Rosa Maria Weber, em seu primeiro voto, declarou que achava
essa informação irrelevante.
Eu
acho que o debate é mais importante do que parece. Ele permite
demonstrar quem avançou o sinal, quem não fez o combinado pelas regras
informais de nosso sistema político.
Isso
não diz respeito apenas ao julgamento de hoje, mas ao funcionamento da
democracia no país. Nossas eleições são limpas há muito tempo porque são
disputadas numa ambiente de liberdade, no qual cada eleitor pode fazer
sua escolha sem pressões indevidas.
Os
pleitos expressam a vontade popular e não vejo nenhum motivo para
suspeitar de seus resultados. Não há votos comprados nem fraudados em
escala significativa.
Mas
depois de PC Farias, o saudoso tesoureiro de Fernando Collor, nós
sabemos que é preciso ser muito hipócrita para fingir que o
financiamento de campanha, de qualquer partido, antes e depois do
mensalão, é uma operação limpa. Ali se mistura o caixa 2 de empresas, o
dinheiro da corrupção, e também o dinheiro que, mesmo de origem quente,
precisa ser esfriado no meio do caminho.
Se
houvesse vontade política para corrigir as imensas imperfeições e
desvios, isso já teria sido feito. Mas sempre que surge essa
oportunidade, ela é barrada por falta de interesse político. É mais
interessante tirar proveito de uma denuncia em vez de procurar a origem
dos erros. O mais recente projeto de reforma eleitoral, elaborado pelo
deputado José Fortunatti, do PT gaúcho, foi sabotado alegremente pela
oposição no ano passado. Previa, como nós sabemos, o financiamento
público exclusivo de campanha, que proíbe a ação dos corruptores na
distribuição de verbas para os partidos. Não há lei capaz de impedir a
prática de crimes. Mas uma boa legislação pode desestimular as más
práticas. Pode criar regras realistas e não um mundo aberto para
falcatruas e irregularidades. A mesma oposição que agora pede guilhotina
para os petistas é a primeira a manter as regras que alimentam o
ambiente de abuso e desvio. Este é o jogo do moralismo. Joaquim Barbosa pode não fazer jogo. Mas ele existe e está aí, à frente de todos.
Após
sete anos de investigação, não se encontrou um rastro do dinheiro. Você
pode achar que os recursos foram lavados e se perderam nos esquemas de
doleiros e enviados para o exterior. Também pode achar que foram lavados
e entregues aos partidos aliados do PT, como disseram os advogados da
defesa nas já longínquas manifestações dos primeiros dias.
O
certo é que a Justiça quebrou o sigilo bancário e fiscal dos acusados e
nada encontrou. O rastreamento não levou a nada. Não há sinal de
enriquecimento indevido no patrimônio de nenhum dos réus.
Não tenho procuração para atestar a honestidade de ninguém. (Só a minha).
Mas não é estranho que não apareça um centavo gasto de forma ilícita?
Como é que o tesoureiro Delúbio Soares continua morando no mesmo flat modesto no centro de São Paulo?
Por
que José Genoíno, combatente brasileiro que sempre irá merecer
homenagens pela coragem de assumir as próprias ideias, muitas
inconvenientes a seus interesses, continua residindo na mesma casa no
Butantã, em São Paulo?
Apontado
como chefe da “organização criminosa”, falta explicar o que Dirceu
obteve com seus superpoderes de ministro-chefe da Casa Civil.
Também
falta outra coisa. O Visanet é um caso comprovado de troca de favores
com dinheiro público. Mas outros casos são fiascos. Marcos Valério
cansou de prometer o que não podia entregar. Não foi só o Banco
Mercantil. Um assessor dele me garante que Valério prometia até entrar
na negociação da licitação da transposição do São Francisco. As obras –
que seguem a passo de tartaruga — acabaram com os militares. É certo que
oferecer vantagem indevida já é crime. Mas vamos combinar que não é a
mesma coisa.
Com
seu voto articulado, com exemplos e histórias, Joaquim Barbosa está
levando o julgamento. As descrições e diálogos ajudam a dar
dramaticidade a seu voto.
Mas
é uma questão de convicção e convencimento. Pela jurisprudência que
parece dominar a maioria do STF, estes elementos parecem suficientes.
Concordo
que ninguém chama fotógrafos para receber uma mala de dinheiro. Mas o
bom senso recomenda admitir que a recíproca não pode ser verdadeira. A
falta de provas não pode ser desculpa para condenação apressada e
portanto errada.
Essa
distinção separa a justiça do moralismo, recurso típico daquelas forças
que tem dificuldade de conviver com a democracia e procuram atalhos
para escapar da soberania popular.
Apontado
como mensaleiro porque recebeu um cheque de 100 000 reais de Marcos
Valério para sua campanha, o deputado Roberto Brant, do DEM mineiro, foi
absolvido pelo Congresso por uma votação folgada. Não foi indiciado no
mensalão, embora até pudesse, não é mesmo?
Bom
político, lúcido e corajoso, Brant explicou, certa vez, ao jornalista
Sérgio Lirio que o moralismo interessa “aos grupos que controlam o
Estado brasileiro, independentemente de quem esteja no
governo. São herdeiros dos privilégios seculares que o
Estado distribui. A sociedade brasileira é injusta dessa
forma porque o Estado é um agente da injustiça. Esses grupos
não querem reforma de coisa nenhuma. O moralismo só
interessa aos grupos que querem mobilizar o Estado
brasileiro, ou pelo menos o sistema político brasileiro,
para não deixar que ele opere com liberdade. Isso já aconteceu
outras vezes.
Quando o Juscelino (Kubitschek) começou a mudar
o Brasil, aquilo assustou tremendamente as elites urbanas. O
resultado foi a criação de uma série de escândalos que a
história provou ser completamente infundada, inconsistente
e falsa. Todos os personagens morreram pobres. Depois veio o
quê? Jânio Quadros, apoiado pela opinião pública. Opinião
construída pelo (jornalista Carlos) Lacerda, pela UDN nos
grandes centros urbanos.
Em São Paulo, inclusive. Foi lá que ele
venceu. E deu no quê? Desorganização, populismo e aventura.
Depois do Jânio, veio o golpe militar. Como tachar de corrupto
um partido inteiro, o sistema de forças inteiro? Isso é falso.
Há políticos que desviam de conduta no PT, no PFL, no PSDB. A
agenda do moralismo não leva a nada. Ou leva a coisas piores.”
0 Response to "Onde está o dinheiro?... do suposto "mensalão""
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