Texto publicado na revista Teoria e Debate, em outubro de 2011.
A segunda etapa do 4º Congresso do PT foi "globalmente positiva", para usar a expressão que convencionamos adotar para falar de algo que saiu melhor do que a encomenda e ajuda a seguir adiante, embora perpetue velhos problemas.
Entre os aspectos positivos do Congresso, está a resolução polÃtica aprovada, que tenta materializar a disposição de construir uma agenda polÃtica própria para o Partido, que não pode nem deve limitar-se a "defender o governo Dilma", até porque a melhor defesa está na construção de uma correlação de forças melhor na sociedade, o que só acontecerá se o Partido for além da postura defensiva.
Entre os aspectos negativos do Congresso, está a derrota da resolução que propunha priorizar, nas eleições 2012, alianças com o campo democrático-popular. O efeito prático é que não se buscará fortalecer um polo democrático-popular, essencial para disputar a hegemonia do governo e do paÃs em favor de um programa mais avançado de transformações. Aliás, cabe perguntar: para que serve falar de "campo democrático-popular", se na prática ele não se materializa como prioridade nas eleições?
O congresso proibiu alianças majoritárias com PSDB, DEM e PPS. Mas recusou excluir a oposição de direita das nossas coligações proporcionais; assim como recusou a exclusão do PSD.
Nesta questão das alianças, prevaleceram dois erros antigos: o de colocar limites fracos à direita; e o de colocar um sinal de igual entre a polÃtica de alianças que sustenta o governo federal e a polÃtica de alianças adotada pelo PT nas eleições.
Claro, também, que nosso inimigo principal segue sendo o neoliberalismo. Contra ele, podemos e devemos fazer alianças com partidos conservadores, que não são neoliberais. Porém, se não formos cuidadosos, poderemos derrotar o neoliberalismo, para colocar em seu lugar o "desenvolvimentismo conservador", aquele no qual o paÃs cresce, sem fazer reformas estruturais.
Para que o pós-neoliberalismo seja um desenvolvimentismo democrático e popular, que possa ser articulado com nossa luta pelo socialismo, faz-se necessária outra correlação de forças na sociedade brasileira, que supõe reforçar e dar organicidade ao campo composto pelos partidos e organizações populares de esquerda e integrado por milhões de pessoas que lutam por democracia e igualdade.
Por isto, defendemos no 4º Congresso que "a prioridade” para as alianças eleitorais em 2012 fosse “montar coalizões programáticas com os partidos do campo democrático-popular".
Ao defendermos esta emenda, deixamos claro que não estava em discussão a composição do núcleo polÃtico do governo, nem se tratava de impedir alianças com partidos de centro, nem se tratava de obrigar nosso Partido a fazer alianças com PSB, PCdoB e PDT.
A discussão é: nem a aliança com os pequenos partidos de centro-direita, nem a aliança com o PMDB resolvem o problema da governabilidade. Para nós a “governabilidade” inclui criar as condições institucionais para transformar o paÃs, cada vez mais e cada vez mais rápido. Uma governabilidade deste tipo, transformadora, supõe combinar governo, base parlamentar e mobilização social, que só é possÃvel se articularmos o chamado campo democrático-popular.
A resolução aprovada não corresponde ao que realmente pensa a maioria dos dirigentes do Partido acerca dos riscos, tanto da aliança com o PMDB, quanto da governabilidade prioritariamente institucional. Mas a maioria do Partido não demonstra estar disposta a fazer o “giro estratégico” necessário para sair da armadilha em que estamos metidos.
Como não houve alteração na estratégia do Partido, a principal pergunta que deve ser feita é: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução de nossa linha polÃtica? Parte da reforma limitou-se a oficializar, com pequenas alterações, o que já era praticado.
Outra parte da reforma é composta por pequenas novidades organizativas: a quitação das contribuições partidárias antes das eleições internas, não mais na véspera ou no dia da votação; a formalização de que todos os filiados de pequenos municÃpios serão considerados como delegados aos respectivos encontros; a definição de percentuais para inscrição de chapas incompletas nos processos eleitorais internos; a definição do percentual de filiados necessário para oficializar determinados processos internos, tais como inscrição de candidaturas ou convocação de plebiscitos; os cargos que devem integrar uma executiva municipal; e o número de vice-presidentes da comissão executiva nacional.
Uma terceira parte das mudanças estatutárias é constituÃda por medidas que tentam impedir a transformação do PT num partido tradicional, processo denunciado pelos pessimistas e temido pelos mais otimistas.
Neste pacote de medidas podemos incluir: para se tornar filiado, é obrigatório fazer um minicurso de formação polÃtica; a necessidade de justificar a ausência no PED; a obrigatoriedade, para votar e ser votado, de participar de pelo menos uma atividade partidária; a semestralidade das contribuições dos filiados para com o Partido; a admissão de contribuições coletivas, desde que feitas pela instância partidária.
Também podem ser incluÃdas neste bloco as medidas que visam impedir a fábrica de "comissões provisórias". A recomendação de que as direções partidárias tenham uma composição que vá além da burocracia. E a obrigatoriedade de divulgar um resumo das contas do Partido na internet.
Neste bloco devemos incluir, também, alterações que ampliam a participação de segmentos hoje subrepresentados: a adoção da paridade de gênero na composição das instâncias, delegações, comissões e cargos; a adoção da cota geracional e da cota étnico-racial; a garantia de recursos para a formação polÃtica das mulheres e para um Fundo Partidário destinado a financiar as disputas internas ao próprio PT; a orientação de que coletivos petistas na internet devam receber o mesmo tratamento dos núcleos partidários; a proibição de acumular funções executivas no governo e no Partido, em um mesmo nÃvel; e a limitação do número máximo de mandatos legislativos consecutivos, num mesmo nÃvel.
Também faz parte da reforma estatutária um conjunto de medidas cujo sentido é restritivo ou, pelo menos, pode ser acusado de. É o caso da manutenção do Processo de Eleição Direta das direções partidárias, apresentado por alguns como grande inovação da vida partidária e por outros como via de importação dos defeitos da "democracia eleitoral burguesa", polêmica em que todos têm um pouco de razão.
Outras medidas que podem ser consideradas restritivas são a ampliação para 4 anos do mandato das direções e a reafirmação da eleição em separado para o cargo de presidente. Poderia ser o caso, também, das restrições ao mecanismo de prévias. Mas o que foi aprovado pelo Congresso garante a realização de prévias ou, pelo menos, a realização de encontros de delegados para escolher candidaturas. Ou seja: de uma forma ou de outra, a base poderá continuar decidindo na maioria dos casos.
Como se pode ver por este resumo, o número de medidas democratizantes é muito maior do que as medidas que são ou podem ser acusadas de restritivas.
É por isto que o sentimento amplamente majoritário no Partido é que a reforma estatutária foi positiva. Outra questão, distinta desta, é responder a pergunta feita antes: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução da linha polÃtica do Partido?
Falando francamente, acho que depende. Afinal, a prática polÃtica do PT se faz formalmente nos termos do estatuto, mas de fato nos marcos da luta de classes. E a luta de classes, no Brasil dos últimos anos, assumiu uma dinâmica fortemente eleitoral, governamental, parlamentar, institucional.
Essa dinâmica ocupa a maior parte das preocupações, do tempo, da prática diária de nossos dirigentes e militantes. Outros aspectos da luta de classe e outras dimensões da ação partidária, como as lutas sociais, a presença organizada do Partido junto a classe trabalhadora e seus movimentos, a realização de campanhas polÃticas em perÃodos e sobre temas não-eleitorais, a dinamização da vida interna, a comunicação e a formação partidárias, ficam em segundo ou terceiro planos.
Como resultado disto, nossa capacidade de transformação da realidade brasileira fica crescentemente dependente daquilo que conseguimos fazer a partir da própria institucionalidade. E, como sabemos após quase 9 anos de presidência da República, 23 anos de presença em governos estaduais e 29 anos de presença em governos municipais e parlamentos, governar e parlamentar permitem muito, mas não garantem nem o estruturalmente suficiente, nem o historicamente necessário.
Há três maneiras de alterar esta situação: o exercÃcio da vontade polÃtica das direções partidárias; a aprovação de reformas no funcionamento da institucionalidade; a alteração no padrão da luta de classes do paÃs, com as lutas sociais ganhando maior peso relativo frente à s disputas institucionais. Se nada disto ocorrer, as mudanças ocorridas no estatuto serão apenas isto: mudanças estatutárias.
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