Valter Pomar: Para escapar da armadilha (avaliação segunda etapa do 4º Congresso do PT)

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Texto publicado na revista Teoria e Debate, em outubro de 2011
A segunda etapa do 4º Congresso do PT foi "globalmente positiva", para usar a expressão que convencionamos adotar para falar de algo que saiu melhor do que a encomenda e ajuda a seguir adiante, embora perpetue velhos problemas.
Entre os aspectos positivos do Congresso, está a resolução política aprovada, que tenta materializar a disposição de construir uma agenda política própria para o Partido, que não pode nem deve limitar-se a "defender o governo Dilma", até porque a melhor defesa está na construção de uma correlação de forças melhor na sociedade, o que só acontecerá se o Partido for além da postura defensiva.
Entre os aspectos negativos do Congresso, está a derrota da resolução que propunha priorizar, nas eleições 2012, alianças com o campo democrático-popular. O efeito prático é que não se buscará fortalecer um polo democrático-popular, essencial para disputar a hegemonia do governo e do país em favor de um programa mais avançado de transformações. Aliás, cabe perguntar: para que serve falar de "campo democrático-popular", se na prática ele não se materializa como prioridade nas eleições?
O congresso proibiu alianças majoritárias com PSDB, DEM e PPS. Mas recusou excluir a oposição de direita das nossas coligações proporcionais; assim como recusou a exclusão do PSD.
Nesta questão das alianças, prevaleceram dois erros antigos: o de colocar limites fracos à direita; e o de colocar um sinal de igual entre a política de alianças que sustenta o governo federal e a política de alianças adotada pelo PT nas eleições.
Claro, também, que nosso inimigo principal segue sendo o neoliberalismo. Contra ele, podemos e devemos fazer alianças com partidos conservadores, que não são neoliberais. Porém, se não formos cuidadosos, poderemos derrotar o neoliberalismo, para colocar em seu lugar o "desenvolvimentismo conservador", aquele no qual o país cresce, sem fazer reformas estruturais.
Para que o pós-neoliberalismo seja um desenvolvimentismo democrático e popular, que possa ser articulado com nossa luta pelo socialismo, faz-se necessária outra correlação de forças na sociedade brasileira, que supõe reforçar e dar organicidade ao campo composto pelos partidos e organizações populares de esquerda e integrado por milhões de pessoas que lutam por democracia e igualdade.
Por isto, defendemos no 4º Congresso que "a prioridade” para as alianças eleitorais em 2012 fosse “montar coalizões programáticas com os partidos do campo democrático-popular".
Ao defendermos esta emenda, deixamos claro que não estava em discussão a composição do núcleo político do governo, nem se tratava de impedir alianças com partidos de centro, nem se tratava de obrigar nosso Partido a fazer alianças com PSB, PCdoB e PDT.
A discussão é: nem a aliança com os pequenos partidos de centro-direita, nem a aliança com o PMDB resolvem o problema da governabilidade. Para nós a “governabilidade” inclui criar as condições institucionais para transformar o país, cada vez mais e cada vez mais rápido. Uma governabilidade deste tipo, transformadora, supõe combinar governo, base parlamentar e mobilização social, que só é possível se articularmos o chamado campo democrático-popular.
A resolução aprovada não corresponde ao que realmente pensa a maioria dos dirigentes do Partido acerca dos riscos, tanto da aliança com o PMDB, quanto da governabilidade prioritariamente institucional. Mas a maioria do Partido não demonstra estar disposta a fazer o “giro estratégico” necessário para sair da armadilha em que estamos metidos.
Como não houve alteração na estratégia do Partido, a principal pergunta que deve ser feita é: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução de nossa linha política? Parte da reforma limitou-se a oficializar, com pequenas alterações, o que já era praticado.
Outra parte da reforma é composta por pequenas novidades organizativas: a quitação das contribuições partidárias antes das eleições internas, não mais na véspera ou no dia da votação; a formalização de que todos os filiados de pequenos municípios serão considerados como delegados aos respectivos encontros; a definição de percentuais para inscrição de chapas incompletas nos processos eleitorais internos; a definição do percentual de filiados necessário para oficializar determinados processos internos, tais como inscrição de candidaturas ou convocação de plebiscitos; os cargos que devem integrar uma executiva municipal; e o número de vice-presidentes da comissão executiva nacional.
Uma terceira parte das mudanças estatutárias é constituída por medidas que tentam impedir a transformação do PT num partido tradicional, processo denunciado pelos pessimistas e temido pelos mais otimistas.
Neste pacote de medidas podemos incluir: para se tornar filiado, é obrigatório fazer um minicurso de formação política; a necessidade de justificar a ausência no PED; a obrigatoriedade, para votar e ser votado, de participar de pelo menos uma atividade partidária; a semestralidade das contribuições dos filiados para com o Partido; a admissão de contribuições coletivas, desde que feitas pela instância partidária.
Também podem ser incluídas neste bloco as medidas que visam impedir a fábrica de "comissões provisórias". A recomendação de que as direções partidárias tenham uma composição que vá além da burocracia. E a obrigatoriedade de divulgar um resumo das contas do Partido na internet.
Neste bloco devemos incluir, também, alterações que ampliam a participação de segmentos hoje subrepresentados: a adoção da paridade de gênero na composição das instâncias, delegações, comissões e cargos; a adoção da cota geracional e da cota étnico-racial; a garantia de recursos para a formação política das mulheres e para um Fundo Partidário destinado a financiar as disputas internas ao próprio PT; a orientação de que coletivos petistas na internet devam receber o mesmo tratamento dos núcleos partidários; a proibição de acumular funções executivas no governo e no Partido, em um mesmo nível; e a limitação do número máximo de mandatos legislativos consecutivos, num mesmo nível.

Também faz parte da reforma estatutária um conjunto de medidas cujo sentido é restritivo ou, pelo menos, pode ser acusado de. É o caso da manutenção do Processo de Eleição Direta das direções partidárias, apresentado por alguns como grande inovação da vida partidária e por outros como via de importação dos defeitos da "democracia eleitoral burguesa", polêmica em que todos têm um pouco de razão.
Outras medidas que podem ser consideradas restritivas são a ampliação para 4 anos do mandato das direções e a reafirmação da eleição em separado para o cargo de presidente. Poderia ser o caso, também, das restrições ao mecanismo de prévias. Mas o que foi aprovado pelo Congresso garante a realização de prévias ou, pelo menos, a realização de encontros de delegados para escolher candidaturas. Ou seja: de uma forma ou de outra, a base poderá continuar decidindo na maioria dos casos.
Como se pode ver por este resumo, o número de medidas democratizantes é muito maior do que as medidas que são ou podem ser acusadas de restritivas.

É por isto que o sentimento amplamente majoritário no Partido é que a reforma estatutária foi positiva. Outra questão, distinta desta, é responder a pergunta feita antes: a reforma estatutária melhorou as condições para a execução da linha política do Partido? 
Falando francamente, acho que depende. Afinal, a prática política do PT se faz formalmente nos termos do estatuto, mas de fato nos marcos da luta de classes. E a luta de classes, no Brasil dos últimos anos, assumiu uma dinâmica fortemente eleitoral, governamental, parlamentar, institucional.
Essa dinâmica ocupa a maior parte das preocupações, do tempo, da prática diária de nossos dirigentes e militantes. Outros aspectos da luta de classe e outras dimensões da ação partidária, como as lutas sociais, a presença organizada do Partido junto a classe trabalhadora e seus movimentos, a realização de campanhas políticas em períodos e sobre temas não-eleitorais, a dinamização da vida interna, a comunicação e a formação partidárias, ficam em segundo ou terceiro planos.
Como resultado disto, nossa capacidade de transformação da realidade brasileira fica crescentemente dependente daquilo que conseguimos fazer a partir da própria institucionalidade. E, como sabemos após quase 9 anos de presidência da República, 23 anos de  presença em governos estaduais e 29 anos de presença em governos municipais e parlamentos, governar e parlamentar permitem muito, mas não garantem nem o estruturalmente suficiente, nem o historicamente necessário.
Há três maneiras de alterar esta situação: o exercício da vontade política das direções partidárias; a aprovação de reformas no funcionamento da institucionalidade; a alteração no padrão da luta de classes do país, com as lutas sociais ganhando maior peso relativo frente às disputas institucionais. Se nada disto ocorrer, as mudanças ocorridas no estatuto serão apenas isto: mudanças estatutárias.


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