Morte no campo paraense: quando a realidade supera a ficção

COMPARTILHEM !!!



Por Fábio Pessôa[1].

No dia 13 de maio, uma sexta-feira, dia que representa oficialmente a abolição da escravatura, ocorreu o lançamento do filme “Esse homem vai morrer: um faroeste caboclo”, no Rio de Janeiro. Dirigido por Emílio Gallo, o filme é narrado por uma professora da região sul do Pará, interpretada pela atriz paraense Dira Paes. O filme conta a história de pessoas marcadas para morrer na cidade de Rio Maria, no Pará. Pessoas cujo o crime foi o comprometimento na luta pela terra e a denúncia do trabalho escravo na região, daí o elemento simbólico do 13 de maio, data de estréia do filme.

Um dos protagonistas do filme, o padre Ricardo Rezende é atualmente professor da UFRJ, mas seu protagonismo não se explica pela sua trajetória acadêmica. É sua atuação junto à Comissão Pastoral da Terra durante duas décadas, no município de Conceição do Araguaia, município que chegara em 1977, ainda sob forte vigilância e repressão em função da guerrilha do Araguaia desmantelada pelas forças do exército em 1974, que marca sua história de vida.

Com um registro de quase 700 entrevistas de sobreviventes de trabalho escravo, padre Rezende é um personagem como tantos outros na história do tempo presente amazônico, história essa marcada fortemente pela grilagem e especulação de terras públicas, projetos minerais que atraíram milhares de pessoas para a região, ação de grandes grupos que fazem da exploração ilegal de madeira um negócio altamente lucrativo, com terríveis danos sociais e ambientais.

Poderíamos ainda relacionar o filme com a situação política e econômica do Pará e da Amazônia, mas em certos casos a realidade supera a ficção. No mês do lançamento do filme, que denuncia pessoas ameaçadas, duas delas, os agricultores José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foram assassinados no município de Nova Ipixuna, também no Pará. Além das mortes em si, o episódio é marcado por outro elemento simbólico. É que no mesmo dia das mortes, 24 de maio, estava em votação no Congresso nacional o projeto do novo Código Florestal Brasileiro, cuja aprovação foi comemorada pela bancada ruralista e por sua representação classista, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

José Cláudio e Maria do Espírito Santo, casal que vivia da agricultura e extração de castanha, faziam parte de uma extensa lista de pessoas ameaçadas de morte, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Num relatório recente a CPT também detalha 42 trabalhadores ameaçados que vieram a ser mortos nos últimos 10 anos, excluindo-se aí inúmeras chacinas realizadas contra trabalhadores que não entram nessa lista das “mortes anunciadas”. Além disso, o relatório da CPT encaminhado ao Ministério da Justiça em 2010 afirma que (...) até 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores.  Dos mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.

Como elemento simbólico dessas mortes, complementadas pela morte de uma testemunha do assassinato, o também agricultor Erenilton Pereira dos Santos, está o fato do casal não apenas está na “lista da morte” como também representar a luta pelas reservas extrativistas em oposição à grilagem e à exploração ilegal de madeira na região, práticas que muitos consideram facilitadas se o novo código florestal se confirmar.

Um dos itens polêmicos do novo código estabelece que, além da união, os estados poderão criar seus programas de regularização ambiental o que pode acarretar pressões políticas e econômicas sobre os governos. No Pará, tal pressão esbarra, vez por outra, na presença mais ou menos eficiente de órgãos como o IBAMA  e a Polícia Federal. Essa flexibilização abre uma prerrogativa que ao invés de minimizar as tensões, deve radicalizar os conflitos, pois como vimos no relatório da CPT, a impunidade nesses casos é uma excelente conselheira para os assassinos de trabalhadores.

Há também o caso da anistia para aqueles que cometeram crimes ambientais até 2008, através da assinatura de um “termo de adesão e compromisso”. Outra medida que na prática significa a regularização do desmatamento.

Enquanto o governo federal articula uma ação interministerial para discutir ações aos problemas do campo, os trabalhadores rurais são ameaçados e mortos, e os ruralistas se sentem os “donos do campo”. Estendem sua arrogância ao parlamento e à grande mídia, numa impressionante sintonia entre o poder político, o grande capital e os meios de comunicação.

Nessa conjuntura de lutas de classe, é preciso unir denúncia com ação política concreta. O debate sobre o código florestal mostra que, apesar da vitória da câmara federal, a questão agrária brasileira ainda está em aberto, no momento em que o tema ambiental e a violência no campo têm ressonância internacional. Essas mortes não serão em vão. Nossa esperança e nossa luta apontam para outro caminho, um futuro cujo roteiro está sendo escrito por homens e mulheres que plantam os sonhos para colherem um novo amanhã.


[1] Historiador, membro da Direção Nacional da AE.
                                                     



COMPARTILHEM !!!


0 Response to "Morte no campo paraense: quando a realidade supera a ficção"

Postar um comentário

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

Revista

Revista

Seguidores