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Por que e para que publicar?!


 

“Há gente demais desesperada em publicar” (L. Waters)[1]

  por Antonio Ozaí da Silva
 O imperativo é publicar: “as publicações acadêmicas se tornaram tarefa em série, como as peças que rolam pelas esteiras de uma linha de montagem. A produção é ofuscada, do mesmo modo que a recepção de tais produtos”. Ou seja: “O produto é tudo que conta, não sua recepção, não o uso humano. Isso é produção de um fim em si mesmo e praticamente mais nenhum outro”.[2]

Estamos num ritmo de produção taylorista-fordista: “O estudioso típico se parece cada vez mais com a figura retratada por Charlie Chaplin em seu Tempos modernos, trabalhando louca e insensatamente para produzir. Estaríamos tomados por uma força que ultrapassou nosso controle? Devemos nos render ou lutar? O que se pode fazer?”[3]

A julgar pelos sábios da “Casa de Salomão”, só nos resta a adaptação. A sabedoria atual diz: “não formule grandes questões; não pergunte por que as coisas são como são”.[4] Fique dentro da baleia![5] Cada vez mais pessoas reduzem o trabalho acadêmico ao objetivo de conquistar postos, se dar bem em editais, etc. Abandonam “a aprendizagem como um valor em si em nome da busca por credenciais”.[6] Mas, “enquanto aceitarmos esse sistema, permaneceremos dentro da baleia”.[7]

Afinal, por que escrever e publicar? Por que nos submetemos à pressão produtivista? Por que aceitamos que as estruturas burocráticas determinem o ritmo das nossas vidas? Para que servem tantos artigos “científicos”? Em que consiste o caráter “científico”? Na mera obediência aos padrões normativos? Quais as conseqüências deste produtivismo? Qual a cultura que fortalecemos quando aceitamos as regras como se fossem inexoráveis? Claro, há recompensas simbólicas e materiais!

Se questionamos, nos lançam à face o argumento de que os que determinam as normas que direcionam a vida acadêmica são nossos pares. Além de não contestar o poder burocrático, querem nos responsabilizar. Não sei dos demais, mas, quanto a mim, não indiquei nem elegi ninguém para me representar nos órgãos superiores. Ao poder burocrático interessa manter a ordem das coisas, sua força advém da aceitação da cultura produtivista. Seus alicerces estão bem fincados no ethos do profissional acadêmico que aceita acriticamente as ordens de cima. A servidão voluntária predomina até mesmo em setores dos quais se espera a atitude da reflexão crítica. O poder burocrático não é uma abstração, mas aparatos materiais com gente de carne e osso. Ele se legitima pelo conformismo e capacidade de adaptabilidade dos pares. Que os que dão vida aos aparatos burocráticos falem em nome dos que os apóiam, mas não em meu nome!

A necessidade de critérios para a avaliação das atividades no campus não justifica a camisa-de-força do poder burocrático. A exigência de mais e mais produção científica produz deformações e estimula atitudes anti-éticas e abusivas. No limite, abrem-se as portas para práticas nada condizentes com o que se espera dos intelectuais e favorecem a delinqüência acadêmica. É lógico que não podemos fechar os olhos ou nos considerarmos totalmente isentos dos “pecados” inerentes à cultura produtivista. Como editor de revistas, por exemplo, compreendo a angústia dos colegas diante da exigência de publicação. Até entendo a pressa que têm em publicarem. Disto, muitas vezes, depende a carreira a acadêmica, a aprovação em determinados estágios. É o presente e o futuro que estão em jogo. Por outro lado, é preciso diferenciar entre a atitude motivada pela necessidade imperiosa de publicar, mas que se mantém dentro dos limites do razoável e ético, e aquela que beira as raias da delinqüência acadêmica. Ou seja, nem todos somos delinqüentes acadêmicos.


[1] WATERS, Lindsay. Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição. São Paulo:
Editora da UNESP, 2006, p.88.
[2]Idem, p. 42.
[3] Idem, p. 52.
[4] Idem, p. 53.
[5] “As entranhas da baleia”, escreve George Orwell, “são apenas um útero grande o suficiente para conter um adulto. Lá ficamos, no espaço almofadado e escuro em que nos encaixamos perfeitamente, com metros de gordura entre nós e a realidade, capazes de manter uma atitude da mais completa indiferença, não importa o que aconteça” (ORWELL, G. Dentro da baleia e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 135).
[6] WATERS, 2006, p. 81.
[7] Idem, p. 83.


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