China: um bilhão de pessoas a mais do que os EUA

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por Milton Pomar

Gavin Menzies, ex-oficial da Marinha inglesa e historiador naval, autor de “1421: o ano em que a China descobriu o mundo”, defende a tese que a frota do almirante chinês Zheng He teria alcançado a América do Sul e realizado a volta ao mundo durante as suas expedições marítimas (sete no total), no período de 1405-1433. Argumenta que nessa época os chineses tinham grandes embarcações, e conhecimentos navais e de navegação bastante avançados. Por isso, podem ter sido eles, e não os europeus, os verdadeiros autores dos grandes feitos marítimos do século XV. A descoberta dessa possibilidade histórica, há poucos anos, surpreendeu o mundo, somando-se às muitas, muitas outras surpresas proporcionadas pela China na década passada.
Seu PIB em 2010, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), teria sido de 6 trilhões de dólares, superando o japonês e alçando-a ao segundo lugar no ranking mundial. Mas a aritmética do PIB per capita não alivia com os países populosos: nesse quesito, a China ficou em remoto 95º lugar no mundo, com modestos 4.283 dólares, um décimo dos 42 mil dólares que coube no papel a cada japonês. Justamente por causa desse PIB per capita tão baixo, a China continuará sua marcha acelerada de crescimento ainda por muitos anos, visando alcançar seu objetivo de elevar o padrão de vida de toda a população, através de um processo continuado de distribuição de renda, atingindo cada vez mais quem mora no interior e nas áreas rurais. Definitivamente, os chineses aproximam-se de maneira segura da condição de “a” superpotência econômica do mundo em 2025 (ou 2020), com uma diferença: o bilhão de pessoas a mais do que os Estados Unidos.
Para chegar lá, a China incluiu em seu 12º Plano Quinquenal (2011/2015), aprovado no início de março, o objetivo prioritário da ampliação do consumo interno, dos atuais 35% do PIB para 55%. Essa meta ambiciosa para 2015 confirma a correção de rumos no modelo de desenvolvimento do país, até agora priorizando investimentos estrangeiros e exportações. A intenção daqui pra frente é colocar o mercado interno como prioridade, o que explica a criação de mecanismos de segurança (previdência) social, para assim conseguir convencer as famílias chinesas a reduzir suas poupanças, liberando recursos para o consumo. Será a primeira vez na história da China que o governo inclui no Plano Quinquenal a estruturação de um sistema de segurança social. Essa estratégia visa reduzir as exportações da China, diminuindo a pressão competitiva das empresas chinesas sobre os países grandes exportadores, inclusive o Brasil. A conferir.
Os debates para a elaboração do Plano começaram no início de 2008, e nesses três anos envolveram milhares de pessoas. A sua aprovação na quarta sessão da XI Assembléia Popular Nacional, órgão legislativo máximo do país, tornou-o oficial, o que significa que as diretrizes políticas nele contidas agora têm que ser cumpridas. A começar pela redução do crescimento do PIB nesse período, para 7% ao ano (registre-se que já tentaram isso antes, sem sucesso). Algumas dessas medidas já enfrentam resistência interna, por parte das lideranças políticas de províncias litorâneas, que temem perder recursos para as províncias das regiões Oeste e Nordeste, eleitas como prioridades nesse novo Plano.
Vai ser uma briga das boas, porque o governo central coloca a redução de desigualdades sociais em primeiro lugar, assim como a preservação ambiental, considerando inaceitável a continuidade do crescimento elevado às custas do meio ambiente. Aliás, chamam a atenção nesse planejamento outras medidas inovadoras, como a implantação do sistema de salário-mínimo, e... proporcionar um ganho real de 40% aos salários até 2015. Constam do Plano ainda a proteção dos trabalhadores migrantes e a universalização do seguro-desemprego.
O governo central adotou um novo critério de avaliação do desempenho econômico dos governos de províncias, regiões autônomas e municipalidades, dentro da lógica de priorizar a melhoria da qualidade de vida da população, a proteção ao meio ambiente, e de elevar a produtividade, para fazer frente ao aumento dos custos. Sabendo do risco dessas ações gerarem desemprego em grandes proporções, quer promover indústrias intensivas em mão-de-obra, e o desenvolvimento tecnológico dessas empresas.
Segundo pesquisa de opinião realizada em fevereiro pela agência estatal de notícias Xinhua, as duas maiores prioridades da população chinesa são habitação a preço acessível e políticas de bem-estar social. As questões econômicas (inflação, salários e emprego) vêm em seguida. O governo respondeu de pronto, anunciando que planeja construir 10 milhões de apartamentos e casas a preços acessíveis, para as pessoas mais pobres. Realizada com 25 temas, os resultados da pesquisa subsidiaram os debates preparatórios das sessões anuais da Câmara dos Deputados e da Conferência Consultiva Política do país, que aprovaram o 12º Plano Quinquenal.
Quais serão os impactos para a indústria brasileira, quando a China tornar-se a maior economia do mundo? Como enfrentar e, ao mesmo tempo, aproveitar, a sua condição de maior mercado mundial, e também de maior comprador de produtos agropecuários (2008), maior parceiro comercial (2009), e maior investidor (2010) do Brasil? – Olhando a situação pelo lado vendedor, o Brasil tem muito a ganhar na relação com a China, pelo simples fato de que, apesar da balança comercial entre os dois países ter saltado de dois bilhões de dólares, para 56 bilhões, nos últimos dez anos, os produtos brasileiros representam somente 2% de tudo o que os chineses compram do mundo.
A China importou mais do Brasil na década passada, é verdade, mas nunca compramos tantos produtos chineses, inclusive para produção industrial – segundo o estudo “Sondagem Especial”, de fevereiro de 2011, da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a quantidade de empresas do setor que importou matérias-primas ou insumos da China em 2010 chegou a 21% do total pesquisado. E um terço delas pretende aumentar as compras. Esse trabalho sobre a competitividade industrial dos dois países revela quão vulnerável é o setor no Brasil: das exportadoras brasileiras, metade compete com empresas chinesas no mercado externo; dessas, 67% perdem clientes para elas (eram 54% nessa condição, em 2006). As perdas no mercado interno para a concorrência chinesa variam de 32% a 48%, sendo maiores entre as pequenas e médias empresas.
Por isso, a situação atual é contraditória para a indústria brasileira, que não pode brigar com os seus compradores locais e estrangeiros, por preferirem os produtos mais baratos chineses, e se vê obrigada a comprar da China, para reduzir custos e assim poder melhor competir com ela internamente e no exterior. Ou a produzir na China, com fábrica própria (caso de 9,6% das grandes) ou através de terceiros (4,8%). Precisa aumentar as exportações para a China, e ao mesmo tempo exige do governo medidas para reduzir as importações chinesas. A indústria brasileira reclama das suas perdas, enquanto o setor varejista, exclusivamente importador da China, e os setores do agronegócio e minerador, ambos exportadores superavitários, contabilizam ganhos crescentes.
Sofrendo perdas há 20 anos, decorrentes da concorrência internacional, o setor industrial brasileiro tem razão em se preocupar com a ofensiva chinesa. Afinal de contas, eles são mais competitivos e têm vantagens comparativas que não temos, como revela o estudo da CNI. O bom é que a indústria brasileira está se mexendo: metade das empresas consultadas definiu investir em qualidade, design, redução de custos/aumento de produtividade, diferenciação de marca/imagem/marketing, e em lançamento de novos produtos, para enfrentar as chinesas. Talvez essas medidas sejam suficientes, confirmando o acerto da decisão de 80% das grandes empresas de não produzir na China. Ou não, talvez o melhor seja mesmo encarar o dragão em sua montanha.
Mas não são feitas apenas de negócios as relações entre os países, particularmente dois gigantes como o Brasil e a China, cujas complementaridades evidenciam a importância estratégica recíproca. Em 1988, estabeleceram convênio de cooperação técnico-científica para colocar satélites brasileiros em órbita, levados por foguetes chineses, o que nos permite a obtenção de imagens muito úteis para o monitoramento da agricultura e do meio ambiente. Infelizmente, pouca coisa mais desse nível fizeram desde então, apesar de haver um mundo de possibilidades de intercâmbios, nas áreas educacional, esportiva, cultural, e científica e tecnológica. Os presidentes da China e do Brasil assinaram em abril de 2010 um programa de ações conjuntas até 2014, para desenvolver as relações bilaterais, que inclui um “Ano do Brasil na China” e vice-versa. Desde então, aguarda-se a sua efetivação de parte a parte.
Ainda assim, há quem pergunte por que cargas d’água o Brasil precisa ter uma estratégia para a China, se não temos uma para os EUA, Japão, Alemanha, ...?
Elaborar uma estratégia do Brasil para a China requer primeiro conhecer a estratégia da China para o Brasil e o restante do mundo, algo aparentemente público, divulgado através dos discursos de suas principais lideranças, e, principalmente, pelas ações do país, externas e internas, desde o início das Reformas, em 1980. Esse trabalho é facilitado hoje pela enorme quantidade de análises e de informações disponíveis sobre a China. Mas... saber da estratégia chinesa dessa forma, infelizmente não garante que ela seja a verdadeira. Dadas as disputas ideológicas e políticas no governo e no Partido Comunista, agravadas pela complexidade e dimensões do país e da população, as contradições e dificuldades do desenvolvimento acelerado, mais todas as variáveis do contexto mundial, é realmente difícil descobrir a linha de pensamento dominante na China para os próximos dez anos.
Para descobrir aonde pretendem chegar, é preciso compreender as suas razões. E elas são, em primeiro lugar, de sobrevivência. Com 20% da população do mundo, e sem recursos naturais suficientes para sustentar um padrão de consumo equivalente ao dos países desenvolvidos, a China vai comprá-los onde existem e/ou criar alternativas. A começar pela água, exíguos 6% do total existente no planeta, mal distribuída, com problemas de contaminação em quase todo o país e utilizada em larga escala na agricultura – quase metade da área plantada é irrigada, e querem chegar a 60% do total nos próximos anos.
Maior consumidora de alimentos do mundo, a população chinesa devora anualmente 600 milhões de toneladas de vegetais, 550 de grãos, 250 de frutas, 80 de carnes, 60 de batatas, 50 de pescados, 40 de leite, e 14 de ovos, deixando na poeira da história as grandes fomes responsáveis por milhões de mortes. Mas restrita a um teto de 120 milhões de hectares de área plantada, pelas limitações naturais e a disputa de espaço com as áreas urbanas, a segurança alimentar na China é uma questão de Estado, razão pela qual controlam e subsidiam o setor de todas as formas – a ponto de terem eliminado os impostos agrícolas, cobrados há 2.600 anos. Sua prosperidade econômica aumentou a pressão sobre os alimentos e alterou qualitativamente o padrão tradicional de consumo, substituindo cereais por proteínas animais e frutas – principalmente nas áreas urbanas, onde o consumo per capita de grãos caiu 40%, de 1990 para cá. Mesmo dispondo de dinheiro para comprar todos os alimentos de que precisa, a China prefere ser auto-suficiente. Fez isso com a maçã, e agora caminha para atingir essa condição em laranja, carne bovina e leite.
Desde 1980 até agora, quando o seu peso no consumo mundial de energia triplicou, passando de 6,3% para 17,7%, a China atua “enxugando gelo” na geração de energia, porque nesses 30 anos, apesar de todo o esforço realizado para diminuir a dependência do carvão, o peso desse mineral na matriz energética diminuiu apenas de 72% para 68%. Graças a essa situação, a China continua envolta em fuligem e fumaça, com todos os problemas ambientais e de saúde da população imagináveis. Como agravante, o consumo anual de veículos saltou de dois milhões em 2000, para 17 milhões em 2010, e o de combustíveis seguiu no mesmo ritmo. Por essas razões, o país investe em fontes renováveis em dimensão e velocidade estonteantes. No caso da energia eólica, por exemplo, o plano é produzir metade do total mundial de energia eólica até 2.020, algo que deve ocorrer até antes: a China saltou do quarto lugar em 2009, para o primeiro em 2010, atingindo inacreditáveis 22% de participação global, e ultrapassando de uma tacada a Espanha, Alemanha e Estados Unidos. 
O primeiro-ministro Wen Jiabao declarou, no final de fevereiro, que o governo definiu a meta de redução do consumo de energia por unidade do PIB entre 16 e 17% nos próximos cinco anos. Essa meta será alcançada ao custo do fechamento de empresas de alto consumo energético. No período de 2006/2010, obtiveram economia de 300 milhões de toneladas de CO2, com a substituição de centrais termelétricas antigas por instalações modernas.
A China impacta o mundo inteiro com suas ações também na mineração, quando tenta comprar grandes empresas do setor (na Austrália, Canadá); por oferecer a países africanos, da Ásia Central, e da América do Sul a construção de portos, rodovias, ferrovias, hospitais, em troca do fornecimento de petróleo e outros minerais; ou simplesmente porque é a maior compradora das mineradoras. Suas empresas tanto estão no Pré-Sal brasileiro, a 20 mil km de distancia, como no Cazaquistão, seu vizinho na fronteira oeste, possuidor de enorme reserva de petróleo.
O mundo vê apreensivo a modernização das forças armadas chinesas, as mais numerosas de todas, e a realização de ações militares conjuntas com vários vizinhos. A China segue a máxima “Se vis pacem, para bellum” (se queres a paz, prepara-te para a guerra). Sempre reafirma querer a paz, toda a sua ofensiva em busca de recursos naturais é via diplomática e comercial, mas ela tem fortes razões para garantir-se dentro de suas fronteiras, porque comeu o pão que o diabo amassou, nas mãos de ingleses, norte-americanos, franceses, alemães e japoneses, principalmente a partir do século XVIII, quando a Inglaterra vendia ópio pra China. Quando os chineses tentaram cortar o seu fornecimento, foram derrotados pela Inglaterra em duas guerras, em 1842 e em 1860, e obrigados a continuar consumindo ópio, além de pagar indenizações, ceder Hong Kong, e a fazer outras concessões. Em 1895, o Japão tomou a ilha de Taiwan da China, que recuperou-a somente em 1945.
Europeus e norte-americanos invadiram e dividiram a China entre eles, no início do século XX. O Japão invadiu a China em 1937, conquistou a região nordeste (Manchúria), e somente retirou-se após ser derrotado, em 1945, deixando atrás de si um rastro de destruição e de milhões de mortos. Os EUA e outros países importantes bloquearam econômica, política e militarmente a China, de 1949 até o início da década de 1970, dificultando sobremaneira seu desenvolvimento nesse período.
As grandezas e a voracidade da China assustam, essa é a verdade. Se a meta de crescimento do PIB de 7% ao ano, for superada, mantendo-se nos tradicionais 9%-10% ao ano, dentro dos próximos oito anos sua economia dobrará de tamanho. Dá pra imaginar a China em 2019, o dobro da atual? Nesse ano, por exemplo, ela deverá ser a maior também no setor farmacêutico, graças, entre outros fatores, à volta de milhares de cientistas chineses que estavam no Ocidente, ao ritmo de produção de especialistas (em 2008, foram 387 mil mestres e 60 mil doutores, dos quais dois terços do total em Engenharias, Medicina e Ciências), à formação universitária massiva – nessas três áreas, saíram das universidades em 2008 quase 1 milhão de formados –, e aos investimentos em P&D, de US$66,5 bilhões em 2008, segundo o Relatório Unesco sobre Ciência 2010.
Tantas fortalezas, entretanto, não conseguem eliminar as fraquezas, principalmente as de ordem natural. Recentemente, ocorreram problemas sanitários graves, nas criações chinesas de aves e de suínos. Os rebanhos de centenas de milhões de cabeças, dessas e de outras espécies, serão cada vez mais suscetíveis a epidemias, por serem mantidas em confinamento, pelo trânsito intenso de pessoas e animais, e pelos 22 mil km de fronteiras da China com 14 países.
Quando ocorrer novamente na China excesso de chuvas ou seca, relacionados ao fenômeno cíclico do El Niño, disso resultando diminuição drástica da safra (30%, por exemplo), ela será forçada a lançar mão de seus estoques de grãos, hoje em torno de 150-180 milhões de toneladas, e a comprar toda essa quantidade no mercado mundial, algo que demorará vários anos, simplesmente porque não há essa disponibilidade de grãos. Por isso, a China enfrentará com muita dificuldade quebra de safra dessa magnitude, ainda mais porque outros países asiáticos deverão ser atingidos ao mesmo tempo pelo desastre climático – particularmente a Índia, com seu 1,1 bilhão de pessoas e vulnerável ao extremo, em termos ambientais e alimentares. Se a seca ou as chuvas excessivas na China durarem dois anos, como já ocorreram outras vezes, os desdobramentos serão catastróficos.
Esses cenários sombrios certamente são considerados no planejamento estratégico chinês para 2050, quando o país deverá atingir 1,4 bilhão de habitantes. Graças a eles, pode-se entender porque há um consenso na cúpula dirigente chinesa sobre o caráter estratégico da relação do país com o Brasil, o único do mundo que efetivamente tem a condição de ser o celeiro da Ásia. Daí a importância que se reveste a visita da presidenta Dilma a Beijing, em abril, para participar da reunião dos BRICs, tanto para os empresários e governantes chineses, ansiosos por aumentar a aproximação com o Brasil, como para o meio empresarial brasileiro de todos os setores, à espera de definições estratégicas do governo federal em relação à China.



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