Clima de guerra na fazenda Rio Cristalino, no Pará
Do Instituto Humanista UnisinosUma verdadeiro clima de guerra tomou conta da fazenda Rio Cristalino, localizada no Sul do Pará. Composta por um total de 140 mil hectares, ela foi criada nos anos 1980 e nos anos 1990 foi entregue à empresa Wolksvagen, que a vendeu. Hoje, 600 famílias se distribuem em 60 mil hectares, que ainda não foram desapropriados pelo governo federal, aponta o Frei Henri des Roziers, sacerdote dominicano, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. O mais grave de toda essa situação são os assassinatos de trabalhadores rurais cometidos por um grupo de extermínio de fazendeiros que tem, inclusive, uma lista de pessoas marcadas para morrer. De maio a outubro, quatro pessoas foram assassinadas, vítimas de perseguição por quererem, apenas, seu pedaço de terra para plantar e viver.
Frei Henri des Roziers é advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara, no Pará. Nascido na França, vive desde 1978 no Brasil, sempre envolvido com a causa das comunidades sem-terra e injustiçadas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que aconteceu na fazenda Rio Cristalino?
Henri des Roziers – Essa fazenda, criada nos anos 1980, é um caso emblemático. Até essa época, só havia mata nessa região. Na época da ditadura o governo incitava muitas empresas a investir na Amazônia. Para facilitar, dava incentivo fiscal e entregava a preço muito barato imensas áreas. A fazenda Rio Cristalino tem 140 mil hectares de terra e faz parte desse “incentivo”. Ela foi entregue à empresa Volkswagen, que, nos anos 1990, a vendeu. A situação atual é que, dos 140 mil hectares, 80 mil foram transformados em projeto de assentamento. Os 60 mil hectares que ainda não foram desapropriados abrigam 600 famílias.
Essa fazenda vem de uma situação muito complexa, porque dentro dela há muitos fazendeiros que passaram a criar gado lá dentro. Hoje, há grupos que estão pressionando as famílias para desocuparem a área e venderam as terras a outras pessoas. É um clima de guerra. Há, ainda, um grupo de extermínio, que fez uma lista de gente marcada para morrer. Desde maio têm quatro trabalhadores rurais que foram assassinados. Como se percebe, a situação atual é bastante crítica.
IHU On-Line – Quem são as pessoas assassinadas e as que estão na “lista”?
Henri des Roziers – Estão pressionando vários ocupantes para sair da fazenda. O grupo está assassinando pouco a pouco os trabalhadores rurais. Criaram uma nova associação para se opor a esses trabalhadores.
IHU On-Line – O senhor pode nos contar como é e quem comanda a fazenda Rio Cristalino?
Henri des Roziers – A fazenda pertence oficialmente a um proprietário, mas dentro dela há muitos ocupantes. Parte deles é de fazendeiros que criam o gado por todo lado, e outra é de famílias de trabalhadores rurais. Esse pessoal está pressionando para haver uma desapropriação da área. Quando, em 2008, a área foi ocupada, o superintendente do Incra veio com um deputado federal e uma deputada estadual e prometeram que dentro de noventa dias a fazenda seria desapropriada e transformada em projeto de assentamento. O pessoal se animou e confiou na promessa. Passado esse prazo, nada aconteceu, até hoje. A situação é grave, porque, se a fazenda não for desapropriada, as pessoas serão despejadas por decisão judicial. Por enquanto se espera a decisão do Incra.
IHU On-Line – O que o senhor achou da Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo assinada por Dilma e mais 12 governadores?
Henri des Roziers – Assinando compromisso a respeito da PEC 438 que trata do confisco e expropriação das fazendas ocupadas, penso que é muito importante a assinatura desse documento e que a PEC seja votada pelo Congresso. É fundamental que o futuro governo federal confirme o plano de Lula, se comprometendo a agilizar a votação da PEC para confiscar imediatamente qualquer fazenda flagrada pelo Ministério do Trabalho em situação de trabalho escravo. O confisco será destinado à Reforma Agrária, para assentamento de famílias rurais. Esse compromisso é muito importante, porque pode ajudar na luta contra o trabalho escravo.
IHU On-Line – As incidências de trabalho degradante na região sul do país eram mais raras, no entanto aumentaram ao longo dos últimos anos. O que isso significa?
Henri des Rosiers – Do ano passado para cá foram flagrados vários casos de trabalho escravo no Sul do Brasil. Em 2009 uma estatística apontou que o sul se tornava uma das regiões mais expressivas no trabalho escravo, em maior proporção até do que o norte. O crescimento do agronegócio no Sul é acompanhado de exploração a geração de trabalho escravo. Isso é preocupante.
IHU On-Line – Quais são os desafios e sinais de esperança hoje?
Henri des Rosiers – Tem havido uma conscientização nos últimos anos, no Brasil inteiro, sobre a realidade e gravidade do trabalho escravo. Isso é fundamental. Acompanhei essa problemática desde os anos 1990. De lá para cá, tem sido feito um trabalho de denúncia à opinião pública, que tomou consciência dessa prática. Quando a sociedade civil se dá conta do crime grave que isso representa e passa a exigir mudanças, isso representa ares de esperança.
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