Resposta do nosso camarada e historiador Fábio Pessoa à pergunta PARA QUE SERVE A HISTÓRIA DA AMAZÔNIA? (questão teórica do processo seletivo do Mestrado em História Social da Amazônia da UFPA)
"A historiografia na e sobre a Amazônia passou por muitas transformações nos últimos anos. Como exemplo, podemos apontar o volume crescente de pesquisas realizadas sobre a região, envolvendo temática as mais diversas. Comunidades quilombolas e indígenas, transformações urbanísticas e arquitetônicas, representações culturais presentes em pinturas, músicas e literaturas, movimentos sociais. Inúmeros trabalhos contribuindo para a permanente busca de compreensão das múltiplas “identidades amazônicas” e suas contradições.
A Amazônia já teve vários olhares e representações. Dos navegadores espanhóis que acabaram por nomeá-la à luz do ocidente, passando pelos “viajantes” naturalistas do século 19, com seus determinismos cientificistas, além dos discursos economicistas do “espaço vazio” e seus “enclaves desenvolvimentistas”. A pergunta permanece...
Eric Hobsbawm, em sua obra “Sobre a História”, apresenta no capítulo “o presente como história”, a idéia de que o olhar do historiador sobre o passado depende em grande medida de suas experiências de vida e dos problemas e angústias vivenciados no presente. Por essa perspectiva, o presente amazônico apresenta uma série de desafios para as pesquisas sobre a região. Os conflitos socais pela posse da terra, os tipos de ocupação e exploração territoriais, políticas públicas afirmativas, projetos de exploração mineral, enfim, uma série de questões que tornam extremamente atual a necessidade de pensar não apenas as origens de determinados problemas, bem como a possibilidade de apontar possíveis caminhos futuros.
Portanto, o primeiro sentido que a historiada Amazônia deve ter é o “engajamento”. Comportamento que o próprio Hobsbawm adverte, porque não pode ser confundido como mecanismo de manipulação política. Devemos ter cuidado com os “usos e abusos” da história, isto é, não deixar que a pesquisa se torne um ajuste de contas com o passado de modo a servir a interesses de governo ou partidos. Engajamento, significa ter consciência da importância da história para a região, para as pessoas que nela vivem. Mas isso nos remete a outra pergunta: que história devemos produzir sobre a Amazônia?
Essa história engajada não deve perder de vista os sujeitos amazônicos, homens e mulheres que produzem, vivem, sentem, sonham, comem e trabalham as múltiplas dimensões da vida humana. Quando E.P. Thompson pesquisou os “negros de Windsor”, na obra “Senhores e Caçadores”, certamente seu engajamento o levou a compreender não apenas as razões que levaram a aprovação da “Lei Negra” e suas dezenas de delitos capitais. Seu interesse estava focado nos “negros”, aqueles que estavam à margem da lei, os “comuns”, os “de baixo”, os “subalternos”, para usar um conceito de Antonio Gramsci.
Portanto, em nossa perspectiva, a história da Amazônia deve aprofundar pesquisas sobre temáticas relacionadas a cultura popular, aos movimentos sociais urbanos e rurais e de uma variedade de sujeitos sociais historicamente “esquecidos” como protagonistas do processo histórico. Isso não significa que neguemos as dificuldades que essa perspectiva apresenta aos historiadores. Talvez o problema principal esteja relacionado ao escasso material disponível sobre os “de baixo”. O próprio E.P. Thompson encontrou tais dificuldades ao estudar os “negros”. Resolveu parte desse problema pesquisando os processos dirigidos pelos representantes “Whig”, senhores que apresentavam discursos e opiniões que davam margem para a compreensão das formas de organização e luta dos “caçadores negros”. Carlo Ginzburg também encontrou dificuldades de fontes nas obras “o queijo e os vermes” e “o fio e os rastros”. Se o fio condutor da história estava claro, pois seu sentido era encontrar no fragmento, no particular, a chave para a compreensão da totalidade histórica, faltavam alguns rastros, fontes, indícios que ele acabou por encontrar a partir de um método muito interessante: o “paradigma conjectural”, no qual o detalhe aparentemente irrelevante podia dar os sinais que faltavam a compreensão histórica.
No caso da história da Amazônia, vários trabalhos têm apontado nessa direção. Um exemplo é a pesquisa de Cristina Wolf sobre os povos da floresta, mais especificamente “as mulheres da floresta”, ao introduzir o debate de gênero nas relações de produção nos seringais.. Além dos arquivos e seus registros, Wolf buscou na oralidade comum das “populações tradicionais” a possibilidade de dar vida aos dados quantitativos. Perspectiva que, embora muito criticada, foi desenvolvida por historiadores como Paul Thompson, em sua obra “A voz do passado”.
Um segundo sentido que a história da Amazônia deve ter, em nossa perspectiva, diz respeito a relação campo e cidade. Existe um número significativo de estudos, baseados em Marx (o 18 brumário), que apontam para o desaparecimento do camponês e, portanto, do campo. Usam como exemplo o processo de urbanização crescente após a revolução industrial o que levaria, necessariamente, à urbanização do campo, perspectiva determinista própria do “marxismo vulgar”. Eis, portanto, o sentido da história para a Amazônia: romper com o economicismo estruturalista e, através do acúmulo de pesquisas, compreender que na região esse determinismo pode não se confirmar.
Raymond Williams em sua obra “A cidade e o campo na história e na literatura” apresenta como a literatura inglesa cria dicotomias entre esses dois “lugares”. O campo, seria o lugar da ignorância, do atraso, da miséria. A cidade, o espaço do progresso, da ciência, do desenvolvimento. Keith Thomas também discute essas questões, muitas vezes utilizando-se de fontes literárias, ao apontar que existe, desde o início da modernidade, uma predominância de um antropocentrismo em relação ao mundo natural. Em sua obra “o homem e mundo natural”, Thomas apresenta uma série de discursos os mais diversos sobre a predominância humana em relação a natureza, resultando numa relação utilitarista dos recursos naturais. Essa tendência se radicalizou quando, citando Marx (introdução à crítica da economia política), o mercado mundializa a exploração dos recursos naturais.
Portanto, a história social da Amazônia deve responder a questões que estão presentes, como o uso irracional dos recursos naturais, o desmatamento e a violência no campo numa perspectiva histórica. É nesse sentido que nosso pré-projeto de pesquisa se insere. Tendo como o objeto o setorial de educação do MST e aluta pela reforma agrária, pretendemos compreender a organização da luta empreendida pelo movimento, os sujeitos e suas histórias de vida e se, para usar um termo de Keith Thomas, tais sujeitos internalizam as “novas sensibilidades” existentes em relação à natureza.
Para isso, partimos de algumas hipóteses. Primeiro, acreditamos que a educação empreendida no campo é um “arremedo” da escola urbana, pois ainda é pensada sob o ponto de vista urbanocêntrica. Segundo, que o MST defende níveis de produção vinculados à agricultura familiar em oposição ao agronegócio. Dessa maneira, pretendemos contribuir com as pesquisas que buscam na história respostas aos diversos problemas sociais da Amazônia. Compreendemos as dificuldades metodológicas que a “história do tempo presente” pode resulta. Desafio que somente a prática da pesquisa, o cuidado teórico e o prazer em estudar a história da Amazônia podem superar.
Fábio Pessoa (Belém, 22 de novembro de 2010)
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