Problemas para o futuro, por Wladimir Pomar

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Por Wladimir Pomar
A eleição de Dilma foi uma vitória contra o tradicional machismo herdado do escravismo colonial e do antigo latifúndio. Foi uma vitória contra o conservadorismo e o reacionarismo de uma direita travestida de social-democrata. Foi uma demonstração de que a grande imprensa já tem dificuldade em manipular as mentes e corações do povo.
Mas foi, sobretudo, uma vitória da esperança e da expectativa das camadas populares do povo brasileiro na continuidade e no aprofundamento das melhorias e reformas que lhe interessam. Foi também uma vitória das militâncias petista, democrática e popular, que voltaram às ruas para disputar, no corpo a corpo, os votos dos indecisos e dos enganados. E uma vitória da campanha, que diante da ameaça de derrota, desceu do salto alto e, mesmo atrasada, decidiu travar a disputa política e enfrentar os ataques e a baixaria.


Mais do que todas as campanhas já realizadas pelo PT, a campanha Dilma terá que ser avaliada em profundidade, em especial pelos cenários com que o novo governo e o partido se defrontarão desde já. É significativo que, ao discurso de Dilma, estendendo as mãos à oposição, Serra tenha respondido apenas com um grito de guerra pela “liberdade, pela democracia e pela nação”. Em outras palavras, ele simplesmente sinalizou que não haverá trégua.
A direita brasileira e internacional não se conforma com mais quatro anos de governo de coalizão, dirigido pelo PT. Assim, embora o governo democrático e popular deva adotar uma tática de abertura para negociar, de modo a obter maiorias significativas e consensos em torno dos projetos de grande interesse do país e do povo, não pode nem deve nutrir ilusões de que o PSDB e seus aliados pretendam a mesma liberdade, a mesma democracia e a mesma nação que interessa à esmagadora maioria do povo brasileiro.
A discussão desses temas, que ficaram totalmente abandonados no primeiro turno, e não puderam ser aprofundados no segundo, terão obrigatoriamente que constar da pauta de trabalho do PT e do governo. Temos defendido que, estar na direção do governo não isenta o PT de fazer política. Ao contrário, exige que ele se empenhe ainda mais em conhecer as reivindicações e expectativas das grandes camadas populares e da classe média, tanto as antigas que não foram satisfeitas, quanto as novas, e responder a elas com propostas concretas e os correspondentes apelos de mobilização.
A melhoria das condições de vida de uma parte considerável da população, tendo por base as ações do governo Lula, não são um fim em si mesmo. A elevação do poder de compra suscita agora, nessas camadas populares, a necessidade de ter moradia, saúde, educação, cultura, saneamento básico, transportes e outros serviços públicos. Além, é claro, de manter a oferta dos produtos básicos de alimentação e vestuário a preços acessíveis.
Tudo isso exige altos investimentos e a democratização das ofertas, com a mobilização de amplas forças econômicas e sociais para garantir sua concretização. Essa é uma disputa real em torno dos conceitos de liberdade, democracia e nação, inclusive no imaginário de uma parte da classe média, que se vê ultrajada pela ascensão, mesmo pequena, das chamadas classes C e D.
Se o PT e seus aliados de esquerda não entrarem nessa disputa, que é tanto econômica e social, quanto política e ideológica, a diferenciação entre a liberdade, a democracia e a nação que queremos, e aquelas defendidas pelo PSDB e pela direita que representa, não serão esclarecidas. Na falta dessa diferenciação, continuarão a replicar-se fenômenos como os do Tiririca, derrotas em regiões onde Dilma venceu, mas seus candidatos a governador e a senador perderam, e a emergência de supostas terceiras vias, para mascarar a disputa de projetos diametralmente opostos.
Em outras palavras, apesar dos avanços dos oito anos de governo Lula e da popularidade imensa do presidente, a correlação entre as principais forças políticas em disputa não tiveram uma mudança decisiva. Serra ainda obteve 44% dos votos do eleitorado, o PSDB conquistou os governos de estados importantes como São Paulo, Minas, Paraná, Goiás e Pará, e sua bancada no Senado e na Câmara continua considerável.
Numa visão realista do Congresso, apesar do avanço dos partidos de esquerda, o centro e a direita ainda são majoritários em suas duas casas. A suposição de que Dilma possui o apoio da maioria dos congressistas pode ser verdadeira para a disputa eleitoral, mas certamente não será verdadeira para projetos que firam interesses patrimonialistas e pretendam substituí-los por interesses nacionais e populares, e ampliar os direitos democráticos e as liberdades. Eles certamente encontrarão resistências de todo tipo.
Portanto, o PT precisará libertar-se da ilusão de que teria conquistado aquilo que, em termos militares, chama-se de batalha decisiva. Conquistou uma vitória importante, mas ela o obrigará a  uma verdadeira reviravolta em sua concepção atual de fazer política, se quiser avançar mais do que o governo Lula, que é o que se espera do governo Dilma.
O PT não pode continuar acreditando que o fato do governo democrático e popular aplicar políticas que beneficiem as camadas populares significa, de antemão, uma percepção popular de que a melhora de suas condições de vida, como emprego, salários e aumento da renda, são resultados diretos de tais políticas. Tal percepção fica ainda mais nublada na situação, como a brasileira, em que o foco principal é o desenvolvimento das forças produtivas. O que significa, queira-se ou não, uma melhoria ainda maior da lucratividade das empresas e da burguesia e a manutenção das grandes diferenças de renda.
Por não haver compreendido que essa contradição não pode ser abolida administrativamente, mesmo que tivesse ocorrido uma revolução popular vitoriosa no Brasil, uma parte da esquerda transformou-se em oposição ao governo Lula e o acusa, assim como ao PT, de haverem se tornado “capitalistas”.
De outro lado, grande parte da esquerda que apóia o governo, inclusive o PT, se deitou no berço esplendido da enorme popularidade de Lula. Abandonou o trabalho político árduo de discutir tais questões com as camadas populares e a classe média e de elaborar novas propostas de avanço nas reformas que o Brasil necessita, inclusive numa perspectiva socialista.
Desse modo, deixou inclusive que algumas de suas bandeiras tradicionais fossem levantadas como armas de combate contra ela própria. Para complicar ainda mais, acreditou que a burguesia estava satisfeita com o desenvolvimento da economia e viria em bloco no apoio ao candidato que Lula apontasse. E subestimou a capacidade de articulação política do setor burguês de oposição ao governo democrático e popular.
Ou seja, por um lado alimentou ilusões de que a luta de classes acabara e, por outro, foi arrogante em relação ao inimigo. Tais concepções levaram o PT e essa parte da esquerda a não entenderem que as alianças com uma parte da burguesia não significam apenas unidade em torno do desenvolvimento das forças produtivas, mas também luta, com razão e com limite, pela maior participação na política, por melhores salários e melhores condições de trabalho e de vida, e por outras reivindicações populares.
Aquelas concepções também contribuíram para que parte do PT e da esquerda não atentassem para a necessidade de aprender a combinar a defesa do governo democrático e popular com a direção prática das lutas dos trabalhadores e das camadas populares, seja para forçar o governo de coalizão a avançar no atendimento das reivindicações populares e democráticas, seja para forçar a burguesia a dividir parte de seus lucros.
Em outras palavras, aquelas concepções obscureceram a necessidade de praticar unidade e luta, tanto dentro do governo, quanto na sociedade. Se o PT e a esquerda que estão no governo houvessem praticado essa combinação política, pelo menos durante o segundo mandato do governo Lula, as condições políticas para a campanha eleitoral seriam diferentes.
Como não o fez, continuou acreditando que estava totalmente certa e, ainda por cima, cometeu uma série de erros estratégicos e táticos durante a campanha Dilma do primeiro turno. É certo que a superação parcial desses erros no segundo turno levou à vitória. Mas achar que isto resolve os problemas que estão pela frente pode ser um erro ainda mais grave. Principalmente após ouvir o brado de Serra de que a “luta continua”.


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