Valter Pomar: Onde este povo está com a cabeça?

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Esta edição do Página 13 circula no mês de setembro de 2010, nos dias que antecedem a realização do primeiro turno das eleições presidenciais e de 27 governadores de estados, bem como das eleições para 2/3 do Senado Federal, toda a Câmara dos Deputados e 27 Assembléias Legislativas. Há nove candidaturas disputando a presidência da República: Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores: José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira; Marina Silva, do Partido Verde; Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL; José Maria de Almeida,do PSTU; Ivan Pinheiro, do PCB; José Maria Eymael, do PSDC; Levy Fidelix, do PRTB; e Rui Costa Pimenta, do PCO. As seis últimas candidaturas, somadas, não alcançam 2% de intenções de voto nas pesquisas publicadas até o fechamento desta edição. A candidatura de Marina Silva vem oscilando, dependendo da pesquisa e do momento, entre 5 e 10 pontos. As candidaturas de Dilma e Serra, somadas, reúnem mais de 75% das intenções de voto.

No fundamental, este cenário eleitoral confirma a avaliação feita por alguns, já em 2009: a eleição seria marcada pela polarização PT versus PSDB; a candidatura Dilma viria em ascensão; a candidatura Serra se manteria estagnada, ainda que mantendo um apoio eleitoral significativo. Mas este cenário eleitoral traz, também, uma novidade importante: a partir de agosto e até agora, a candidatura Dilma não interrompeu sua ascensão. O impacto psicológico disto,sobre as fileiras adversárias, foi tão grande, que a candidatura Serra começou a perder apoios. Ao mesmo tempo, não teve o êxito pretendido a operação financeira e midiática em favor da candidatura Marina, visando levar a eleição presidencial para o segundo turno. Resultado: discute-se abertamente a possibilidade de a eleição presidencial ser decidida já no primeiro turno, com a vitória de Dilma Roussef. Esta possibilidade existe e não devemos desperdiçá-la. Mas uma vitória em primeiro turno não é o cenário mais provável. E, paradoxalmente, para que se torne possível o que não é o mais provável, é essencial não subir no salto, nem baixar a guarda. Afinal, embora a candidatura Serra esteja enfrentando dificuldades políticas, ela tem meios para fazer operações especiais que, como em 2006, podem levar a eleição para o segundo turno.

As dificuldades políticas da direita têm duas causas fundamentais. A primeira delas é muito simples: a maior parte do povo brasileiro está vivendo melhor e relaciona isto às políticas adotadas pelo governo Lula, com quem ademais mantém uma identidade de classe. A segunda delas é mais complexa, embora não tanto: a oposição de direita propaga e em parte acredita que os êxitos do governo Lula estão baseados nos supostos êxitos do governo FHC. Ao mesmo tempo, a oposição sabe que o povo não pensa assim, até porque conhece os efeitos de uma e outra política no emprego e nos salários, por exemplo.

Por isto, Serra evita defender o “legado FHC”, foge da comparação entre os dois governos e dá prioridade à tentativa de desconstituir a imagem de Dilma, apostando que conseguiria evitar a transferência de votos em favor da candidata do PT. Parece incrível, mas na cabeça de Serra, ele seria a “continuidade com segurança”. Registre-se que Marina e Plínio também embarcaram na tentativa de desconstituir Dilma. A candidata verde disse o seguinte, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Nós conhecemos o presidente Lula, a gente conhecia o Fernando Henrique Cardoso, a gente conhece o Serra – eu discordo dele, mas conheço. O povo pode até discordar de mim, mas me conhece. Eu estou aí há 16 anos na política nacional. Mas, com todo respeito à ministra Dilma, nós não conhecemos ela nesse lugar de eleita. Conhecemos como ministra de Minas e Energia, da Casa Civil e até respeitamos o trabalho dela, mas daí a ser presidente da República?” O candidato do PSOL, durante um debate promovido pela rede Canção Nova, disse que “toda a comunidade cristã conhece ao Serra, a mim e à Marina”. Já Dilma foi classificada como uma “incógnita, que foi inventada pelo Lula”. Como era de se esperar, a operação de desconstituição promovida por Serra e seus aliados é mais violenta: inclui tratar Dilma como grosseira e autoritária (como fizeram os apresentadores do Jornal Nacional), apresentá-la como violenta terrorista (técnica adotada especialmente na internet), adepta do jogo sujo (dossiês, quebras de sigilo), tecnocrata, centralizadora e tudo mais, inclusive o contrário disto tudo: uma candidata inventada, um preposto de Lula.

A polêmica em torno da quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, Eduardo Jorge e outros faz parte deste contexto. Há fortes indícios de que a operação fez parte da disputa interna no tucanato, entre Serra e Aécio. Mas sua repercussão atual, na qual se atribui ao PT a iniciativa, cumpre um triplo papel: tentar levar a disputa presidencial para o segundo turno; reunir elementos para questionar legalmente a candidatura Dilma; e colocar em questão a legitimidade de nossa vitória, seja no primeiro, seja no segundo turno.

Serra, setores do Judiciário e dos meios de comunicação estão envolvidos nesta operação. Motivo adicional para não baixarmos a guarda: lembrar de 2006 deve ser repetido como mantra. Exceto por uma reviravolta imponderável, Dilma será eleita presidenta da República, seja no primeiro, seja no segundo turno. A questão estratégica é saber qual o conteúdo programático: o que esta vitória projeta para o futuro?

Ao longo da campanha, Dilma afirmou um compromisso, composto de duas ações articuladas: continuar é continuar mudando. Por diversas razões, o acento principal foi na continuidade; e o tema das mudanças acabou ficando em segundo plano. A campanha tratou de forma defensiva temas importantes como a reforma política, a reforma tributária e a democratização da comunicação social, para ficar apenas nestes casos. Isto, mais a composição da coligação, apontam para um governo mais comprometido com a continuidade, sem que fique claro no que vamos continuar mudando. Claro que continuar mudando dependerá e muito da correlação de forças que emergirá das urnas: a composição do Senado, da Câmara, dos governos estaduais e das assembléias legislativas. Visto de agora, tudo indica que teremos uma maioria governista, mas não teremos uma maioria de esquerda (entendendo por isto basicamente o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT). Este é um dos motivos pelos quais devemos fazer de tudo, nesta reta final de campanha, para fortalecer o desempenho do PT, de nossas candidaturas a governador, ao Senado, à Câmara e às Assembléias estaduais.

Outras variáveis vão incidir na conduta do próximo governo. Uma destas variáveis é a conjuntura internacional, que segue combinando elementos de crise econômica prolongada e provocações militares por parte dos Estados Unidos. Outra das variáveis é a postura das oposições. Já vimos, em 2005, como uma atitude da oposição pode influenciar a postura do governo.

À luz das eleições de 2010, o que podemos dizer sobre o que farão as oposições ao longo dos próximos anos? A oposição de esquerda, ao que tudo indica, colapsou. A aposta que fizeram no fracasso do governo Lula, no desmanche do PT, num discurso para-udenista, não rendeu frutos eleitorais, nem conseguiu construir um pólo social de oposição. Pelo contrário: em diversos momentos aliaram-se à oposição de direita, enfraqueceram as posições de esquerda no interior do PT e passaram para a sociedade uma imagem caricatural do socialismo.

A oposição de direita está em surto, como se depreende da leitura dos trechos abaixo, parte de textos escritos recentemente por colunistas eleitores de Serra: “A quebra do sigilo é um aviso de que o Estado democrático de Direito está em crise de que um Estado totalitário se aproxima” Ricardo Caldas, Folha de S. Paulo, 8 de setembro “O lulismo desqualifica a política. E abre caminho para o autoritarismo.” (Marco Antonio Villa, Folha de S. Paulo, 8 de setembro)“(...) uma entidade institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo (...) a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos (...) controle social da mídia é eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição de censura prévia” (...) Estamos nas “cercanias de um regime autoritário” (...) “chavismo branco” ou “regime mexican style” (...) (Bolívar Lamounier, O Estado de São Paulo, 24 de agosto) “Estão criadas as condições para o surgimento de uma versão brasileira –com duas faces, a do PT e a do PMDB– da “ditadura perfeita” vivida pelo México décadas a fio sob o controle do PRI.” (Editorial do jornal O Estado de São Paulo, 24 de agosto).

Se mantiver este discurso, esta oposição apocalíptica cumprirá um papel político importante, mas só terá chances eleitorais em 2012 e 2014 se a situação econômico-social desandar completamente. Motivo pelo qual é provável que a direita social (ou seja, o grande empresariado e os setores médios conservadores) aposte suas fichas no PMDB, que já se ofereceu inclusive para abrigar Aécio Neves. Neste sentido, precisamos ter um olho no peixe e outro no gato. E, não importa qual seja o resultado da eleição congressual, para reduzir as chances de que o aliado de hoje se torne o algoz de amanhã, o PT deve materializar seu compromisso com os demais partidos de esquerda (PCdoB, PSB, PDT) através da constituição de uma ação mais orgânica. Há quem fale, até, numa “frente ampla” semelhante à que existe no Uruguai.

E o que será do PT, neste contexto? Sobre isto, há muito o que debater e reformar. Apenas como aperitivo, podemos apontar duas incógnitas e duas certezas. As incógnitas são: que papel Lula terá no próximo período; e que organicidade terá a relação entre a companheira Dilma, uma vez eleita presidente, e seu Partido? As certezas são: o Partido dos Trabalhadores sairá desta eleição mais importante e mais desenvolvimentista do que entrou. Vale lembrar que o PT surgiu em 1980, criticando não apenas a ditadura, mas também o desenvolvimentismo, apresentando uma alternativa democrático-popular e socialista. Já em 2002, o programa com que Lula disputou as eleições foi de transição para o pós-neoliberalismo. Entre 2003 e 2005, esta transição foi contida e dominada pelos socialliberais, sob comando de Palocci. Mas a partir de 2005 e até hoje, os setores desenvolvimentistas vêm ganhando espaço. A tal ponto que, recentemente, até mesmo candidatos da esquerda petista incluíram, em seu material de propaganda, a defesa de um “modelo econômico centrado no capitalismo produtivo”.

Claro que é melhor um partido hegemonizado por desenvolvimentistas, do que por social-liberais. Mas sem reformas estruturais, o desenvolvimentismo brasileiro será sempre conservador (ou seja, para cada ganho dos de baixo, muito mais ganho nos de cima). Em nosso país, 20 mil controlam 46% da riqueza; 1% controla 44% das terras! E desenvolvimentista ou não, o capitalismo será sempre... capitalista. Noutras palavras: neste PT mais importante que emergirá das eleições de 2010, continua sendo indispensável a existência de uma esquerda socialista, que defenda reformas  struturais, que compreenda o papel estratégico da luta social e do próprio Partido. Por isto, nesta reta final, além de não baixar a guarda, ampliar a votação do PT, dar organicidade ao campo democrático-popular, é também fundamental ampliar a votação e o número de parlamentares ligados à esquerda do Partido e comprometidos com continuar mudando. Mudando muito e rápido.


*Valter Pomar é integrante do Diretório Nacional do PT

Artigo publicado no jornal Página13. n. 91, setembro 2010


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