Pere Petit: Eleições no Brasil em tempos de Lula: 2002-2010 (artigo a ser publicado na revista Informationsstelle Lateinamerika - Bonn-Alemanha)

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Neste texto vamos analisar algumas das causas que nos ajudem a compreender como a candidata de Luiz Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, ex-Chefe da Casa Civil do governo Lula, se tornará a primeira mulher eleita Presidenta do Brasil após vencer as eleições em outubro de 2010. 

São nove os candidatos que disputam a presidência: Dilma Rousseff, José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Marina Silva, do Partido Verde (PV); José Maria Eymael, do PSDC; Levy Fidelix, do PRTB; Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL; José Maria de Almeida, do PSTU; Ivan Pinheiro, do PCB e Rui Costa Pimenta, do PCO.

Segundo indicam todos os institutos de pesquisa Dilma Rousseff vencerá as eleições já no primeiro turno ao superar a barreira de 50% mais um (01) do total dos votos válidos. Dificilmente os outros candidatos conseguirão reverter essa tendência nos poucos dias que faltam para concluir o primeiro turno (3 de outubro), pois desde que começou a campanha eleitoral nos meios de comunicação de massas (rádio, TV), e a imensa maioria dos eleitores teve clareza que Dilma Rouseff era o candidata o apoiado por Lula e pela coligação liderada pelo PT (da qual participam, entre outros partidos, o PMDB, o PSB, o PCdoB, o PDT e o PR), Dilma não parou de crescer nas intenções de voto, entretanto, Serra só fazia que diminuir e Marina ficada mais ou menos estagnada na casa dos 10% dos votos.

Na pesquisa do instituto Datafolha divulgada no dia 16 de setembro, realizada entre os dias 13 a 15 de setembro, com 11.784 entrevistados em todo o Brasil, apontou a Dilma com 51%, Serra 27% das intenções de voto e Marina 11%. Se considerado os votos válidos, quanto é excluído os votos brancos e nulos, a petista teria 57%, o tucano 30% e a candidata verde 12%. Num eventual segundo turno, Dilma venceria a eleição com 57% das intenções de voto, contra 35%, de Serra.

ESTADOS, REGIÕES, RENDA FAMILIAR, ESCOLARIDADE E SEXO

Dilma Rousseff lidera as pesquisas entre os homens e mulheres e também em todos os diferentes níveis de escolaridade e renda familiar. Apenas entre as famílias de renda mais alta (acima de 10 salários mínimos mensais, cerca de 2.800 dólares) que Serra tem alguma chance de superar a Dilma.

Dilma supera nas pesquisas eleitorais a Serra e a Marina nos 26 estados e também no DF (Brasília), entre eles, portanto, os cinco estados com maior número de eleitores: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. Em apenas quatro estados, Santa Catarina e Paraná (Região Sul), Acre e Amapá (Região Norte) que Serra ainda tem alguma chance de obter mais votos que a Dilma no primeiro turno. Existe, portanto, a possibilidade de que Dilma consiga algo inédito na história eleitoral brasileira: vencer na capital e em todos os estados do país.

De serem mantidas essas previsões a votação de Dilma superará percentualmente os votos obtidos por Lula no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002 e 2006, quando teve que disputar o segundo turno com os candidatos do PSDB, José Serra e Geraldo Alckmin, respectivamente. No primeiro turno de 2006, Lula foi o mais votado em 16 estados, enquanto Alckmin venceu em 10 e em Brasília.

Segundo levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), O PT também deverá ser o partido com maior número de deputados federais, superando, assim, os efeitos negativos do denominado “mensalão” (2005) que fizeram diminuir o numero de deputados eleitos em 2006 (total 83) comparativamente aos eleitos em 2002 (total 91). O PMDB, partido da base aliada do governo Lula, deverá ser o segundo partido com maior número de deputados na Câmara Federal e continuará sendo o primeiro no número total de senadores.

DILMA SURFANDO NA POPULARIDADE DO LULA

Lula conseguiu convencer a governo, ao PT e a maioria dos partidos que compõem a base aliada ao seu governo que a melhor alternativa para vencer as eleições e, portanto, derrotar ao candidato do PSDB-DEM, era lançar um só candidato à Presidência da República. Com essa finalidade deu prioridade o acordo com o PMDB, partido que indicou a Michel Temer como candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Dilma Rousseff, e reverteu no interior do Partido Socialista Brasileiro (PSB) a intenção de lançar a Ciro Gomes como candidato.

O objetivo era dar continuidade à polarização ideológico-programática entre o PT e o PSDB, que permitiu a vitória de Lula em 2002 e 2006, e, sobretudo, orientar a campanha para uma espécie de teste plebiscitário comparativo entre os oito anos dos governos presididos por Fernando Henrique Cardoso (FHC) e os quase oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. Comparação que está resultando, certamente, demoledora para os interesses eleitorais de Serra, incapaz de defender a sua participação no governo FHC e ter pouco que mostrar de novedoso ou positivo, comparativamente com o governo federal, na sua gestão como governador do principal estado do país, São Paulo, nem tampouco na campanha eleitoral que possa estimular à maioria dos eleitores a optar pela “mudança”.

Para o historiador Daniel Aarão Reis a inusitada capacidade de transferência de votos de Lula se explicaria pelo acesso progressivo das classes populares à cidadania, sendo Lula o principal responsável em favorecer este acesso. Para Daniel Reis, Dilma, “era uma personagem desconhecida em termos eleitorais [Dilma filiou-se ao PT em 2001, após abandonar ao PDT, mais nunca foi candidata a nenhum cargo electivo]. Sua vocação era outra: a de servidora pública, empenhada na gestão de empresas estatais ou planos de desenvolvimento. Assim, quando Lula sacou o seu nome e o apresentou ao distinto público, não faltaram análises de que o homem não queria eleger o sucessor, no caso, sucessora” (Daniel Aarão Reis, Uma Grande inversão).

Sem dúvida, a extraordinária popularidade de Lula e do seu governo é o fator determinante do atual embate eleitoral. Segundo dados da última pesquisa CNT/Sensus (dados que coincidem com os fornecidos por outros institutos), a avaliação do governo federal alcançou um novo recorde de popularidade em setembro deste ano sendo avaliado de forma positiva por 78,4% da população. É o melhor índice desde o início do governo petista (2003). Outros 15,9% avaliaram o governo como regular, enquanto apenas 3,9% o classificaram como negativo. Lembremos que FHC deixou o governo com os índices de popularidade em queda. Quando FHC foi reeleito no primeiro turno, em 1998, a avaliação positiva (conceitos Ótimo e Bom) era do 58%, quatro anos depois tinha despencado para apenas 35%.

Antônio Augusto de Queiroz, num artigo intitulado A lógica das eleições presidenciais, examina três elementos que considero fundamentais para analisar os resultados das cinco eleições presidenciais realizadas no Brasil a partir de 1989. Os seus argumentos também nos ajudarão a compreender algumas das chaves que influenciarão o desenlace do atual embate eleitoral para a Presidência da República. Reflexões que também poderiam ser pertinentes para avaliar os possíveis resultados, em 2010, das candidaturas a governador e ao Senado nos diferentes estados do país.

Após afirmar que todos os fatores que ele menciona estão relacionados, ainda que fosse indiretamente, ao desempenho geral da economia, o primeiro fator que destaca Queiroz é a existência de uma relação estreita entre o índice de popularidade ou de aprovação do Presidente da República e os votos recebidos por seus candidatos à sucessão, que, eventualmente, poderá ser o próprio presidente disputando a reeleição. Por exemplo, em 1989 todos os candidatos mais votados fizeram oposição ao impopular presidente Sarney. 

Diferentemente, em 1994, o presidente Itamar, que tinha índices de aprovação 55% favoreceu a vitória do seu ministro da Fazenda, FHC. Em 1998, FHC então aprovado por 58% da população, obteve 53% dos votos válidos em sua campanha de reeleição. Mas, em 2002, quando FHC apenas contava com 35% de apoio, o seu candidato, o ex-ministro do Planejamento e da Saúde José Serra, alcançou 39% dos votos válidos no segundo turno. Perdeu a eleição para Lula. Em 2006, Lula tinha 63% de aprovação e foi reeleito com 61% dos votos válidos em segundo turno.

A segunda conclusão que destaca Queiroz é que cada campanha possui seu eixo central, que é importante tanto para ganhar a eleição quanto para governar, e que orienta ou sintetiza, assinalo eu, as principais preocupações dos eleitores. Collor, por exemplo, desenvolveu uma campanha contra os marajás, que representavam o desperdício, a corrupção e a incompetência, além de ter prometido melhorias sociais. No Governo não cumpriu nenhum dos dois eixos e foi afastado. Já FHC foi coerente, na campanha, com os eixos de suas campanhas, focando na estabilidade econômica na primeira e, na segunda, no medo de que sem ele a estabilidade corresse risco. Lula foi eleito e reeleito com discurso focado nos eixos das duas eleições: geração de emprego e combate à pobreza, na primeira, e prosperidade econômica e ascensão ou mobilidade social, na segunda.

A terceira conclusão se refere ao ambiente político, ou seja, ao sentimento de população em relação à continuidade ou mudança das políticas e práticas governamentais. Isto é, sempre que as circunstâncias exigiam mudança, o presidente da República não elegia seu sucessor, do mesmo modo que nos momentos em que a conjuntura era favorável à continuidade, os presidentes eram reeleitos ou elegiam seus sucessores. Para os candidatos do PSDB, no período pós-FHC, as circunstâncias sempre foram desfavoráveis. No caso de José Serra, quando ele foi o candidato da continuidade, em 2002, o ambiente era de mudança. Agora que é o candidato da mudança, o ambiente é de continuidade. Alckmin, em 2006, também foi o candidato da mudança num ambiente de continuidade.

Nessa mesma linha de raciocínio podemos acompanhar as palavras de Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT e coordenador do Foro de São Paulo, quando afirma que a campanha petista em apoio a Dilma foi articulada na proposta de dar continuidade às mudanças iniciadas por Lula em 2003, sob o lema de que continuar é continuar mudando: “Entretanto, Serra evita defender o ‘legado FHC’, foge da comparação entre os dois governos e dá prioridade à tentativa de desconstituir a imagem de Dilma, apostando que conseguiria evitar a transferência de votos em favor da candidata do PT. Parece incrível, mas na cabeça de Serra, ele seria a ‘continuidade [do Lula!] com segurança’” (Valter Pomar, Onde este povo está com a cabeça?).

É evidente que seria impossível tentar compreender o atual cenário político-eleitoral do Brasil sem, pelo menos lembrar, que no dia 1 de janeiro de 2003, pela primeira vez na historia do país, um operário e membro de um partido de esquerdas, Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu a Presidência da República, após vencer o segundo turno das eleições, em outubro de 2002, ao obter 52,7 milhões de votos (61,3% dos votos válidos), contra 33,3 milhões que foram para o candidato do PSDB, José Serra.

A folgada vitória de Lula em 2002, após ser derrotado em 1989 para Collor de Mello e, em 1994 e 1998, por FHC (em todas essas eleições Lula sempre foi o segundo candidato mais votado), deve ser creditada ao conjunto de fatores que influenciaram a escolha da maioria dos brasileiros por mudar os rumos políticos do país e que ao parecer nas próximas semanas a maioria dos eleitores pretendem dar continuidade. Podemos destacar entre eles:

1) a história de vida e trajetória política-sindical de Lula que o transformaram na liderança política mais respeitada do país.

2) A insatisfação popular a respeito da política macroeconômica do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e, sobretudo, à conseqüências negativas da implementação no Brasil do ideário neoliberal.

3) O progressivo crescimento eleitoral do PT desde 1982 até as eleições municipais de 2000, ao assumir seus filiados a responsabilidade de governar municípios e governos estaduais.

4) A mudança na estratégia e discurso eleitoral do PT, que se materializou, em 2002, numa aliança politicamente de centro-esquerda e num programa economicamente desenvolvimentista e com grande apelo nacionalista. Isto é, uma programa eleitoral orientado a conseguir a maioria dos votos em todos os setores da sociedade brasileira sem distinções étnicas, de classe, região ou religião. Em palavras de Lula, no dia 29 de outubro de 2002, após ser eleito Presidente da República Federativa do Brasil:

“Ontem, o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país. Foi um belo espetáculo democrático que demos ao mundo. Um dos maiores povos do planeta resolveu, de modo pacífico e tranqüilo, traçar um rumo diferente para si (...). O combate em favor dos excluídos e dos discriminados. O combate em favor dos desamparados, dos humilhados e dos ofendidos”

Pere Petit, historiador e professor da Universidade Federal do Pará (Brasil), é a utor do livro A Esperança Equilibrista: A Trajetória do PT no Estado do Pará (São Paulo, Boitempo-Naea, 1996) e co-autor, junto com Pep Valenzuela, do livro Lula !dónde vás!: Brasil, entre la gestión de la crisis y la prometida transformación social (Barcelona, Icaria, 2005)







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