A esperança que vem da Grécia

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O ministro da Fazenda da Grécia propõe uma saída para o país, mas terá de enfrentar a resistência do continente em superar a própria estagnação

por Carlos Drummond

O ministro das finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, professor de economia de 53 anos, é o alvo principal da pressão das instituições financeiras interessadas em reduzir as perdas na catástrofe econômica resultante de desmandos seus e de governos do país, na esteira de uma crise iniciada seis anos atrás. Empenhado na rediscussão com os credores da dívida equivalente a 180% do PIB, anunciou na segunda-feira 2 propostas concretas e surpreendeu positivamente o mercado, ainda chocado com o pronunciamento do presidente Alexis Tsipras depois da vitória no domingo 25 de janeiro. Na quarta-feira 11, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, aumentou o drama da Grécia ao vetar o uso de títulos do governo em operações dos  bancos do país.

Os movimentos de Tsipras e de Varoufakis, aparentemente contraditórios, fariam parte de uma mesma tática combinada pelo governo, avaliaram alguns. Outros não descartam o avanço seguido de recuo a uma divisão interna no partido de ambos, o Syriza, de extrema-esquerda, agora no comando do Parlamento grego em aliança com uma facção nacionalista de direita. Pouco depois da posse, Tsipras declarou a insustentabilidade da dívida e anunciou como prioridade a solução da miséria e da fome, em detrimento das exigências das instituições financeiras. A Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e o restante do establishment alarmaram-se.

Na semana seguinte, Varoufakis, sem contradizer frontalmente Tsipras, descartou o calote, propôs a geração de superávits fiscais baixos, mas contínuos,  e apresentou uma proposta de troca dos títulos podres da dívida grega por papéis novos, parte deles com rendimento vinculado ao crescimento da economia. O receio dos credores de arcar com uma perda total no caso de default deu lugar à esperança de receber ao menos parte dos recursos emprestados  e as Bolsas subiram. Encontrar uma saída para a Grécia, sabe-se, é muito difícil e implica superar a forte resistência da Alemanha, refratária a uma solução heterodoxa. Mas é inegável que o ministro e seu governo criaram um fato novo para governos e instituições inertes diante da estagnação econômica.


O melhor meio de saber quem é e como pensa Varoufakis é acompanhar seus atos e ler o que ele escreve. Entre os seus seis livros, há libelos solidamente fundamentados contra o sistema e as ideias econômicas vigentes. O ministro comunica-se com frequência com seu público por meio do blog http://yanisvaroufakis.eu/. A julgar pelo post do sábado 31, não vale a pena buscar informações fidedignas a seu respeito no noticiário. Em viagem à Inglaterra para uma conversa com o ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne, início de uma sequência de encontros com autoridades governamentais e instituições internacionais, Varoufakis, fã declarado da BBC, disse-se chocado com “a profunda falta de fidelidade” de uma entrevista feita pela emissora e a “considerável rudeza” do repórter.

Em 1978, seu pai, preocupado com o risco de instalação de uma nova ditadura militar, sucedânea daquela de 1967, encaminhou-o para a Inglaterra. Ele estudou economia e matemática nas universidades de Essex e Birminghan. Com a desenvoltura propiciada pela familiaridade com as duas disciplinas, concluiu que “a economia tornou-se uma religião matematizada. E como todas as religiões bem-sucedidas, o fato de ser fundada em uma rede de superstição, com nada útil a dizer sobre como o mundo de fato funciona, nunca a prejudicou. A melhor coisa que pode ser dita sobre a macroeconomia atual é que ela é uma combinação magnífica de alta matemática com economia política pueril”.

Apesar de frágil, essa concepção foi enormemente influente e “condenou toda uma geração de economistas a pensar sobre o mais complexo, desintegrado e precariamente equilibrado período na história do capitalismo em termos de um universo de equilíbrio imaculado”, diz Varoufakis em Modern Political Economics: Making sense of the post-2008 world, escrito com Joseph Halevi e seu colega da Universidade de Atenas Nicholas Theo-
carakis, em 2011. A obra foi a base para um livro específico sobre os Estados Unidos, comparado à figura mitológica do minotauro, intitulado The Global Minotaur: America, the true causes of the financial crisis and the future of the world economy. Publicado nesse mesmo ano, foi reeditado em 2013 com versões em alemão, grego, tcheco, italiano, espanhol, francês e finlandês.


“Não há algo como uma crise grega. A Grécia é um sintoma de uma mudança ampla na história econômica global”, diz Varoufakis. Um abalo na esteira da financeirização e com importância comparável ao provocado pelo surgimento do capitalismo monopolista no século XIX, na origem da crise de 1929, mas de consequências menos dramáticas em relação a esta devido ao aprendizado de governos e de instituições.

Na discussão dessa trajetória, Varoufakis lamenta os desgastantes argumentos favoráveis a uma maior regulação contra visões em defesa de uma maior confiança no mercado. “Tudo isso é miragem. Essa oposição dissolveu-se antes de se constituir verdadeiramente e vive apenas na nossa imaginação. O capitalismo sempre foi um sistema fundado no poder do Estado em que a riqueza foi produzida coletivamente e apropriada privadamente.”

As questões atuais importantes, a seu ver, são outras. A primeira delas emergiu da crise grega, em 2010. Agora que o dinheiro público substituiu o dinheiro privado calcinado de Wall Street e a dívida pública de vários governos cresceu fortemente, deveríamos antecipar um novo arrocho do crédito ou aguardar uma nova tempestade financeira? Segunda questão: com os Estados Unidos combalidos pela crise de 2008 e sem condições de o déficit comercial ser utilizado para o consumo de montanhas de importações, quem desempenhará esse papel?

Enquanto o mundo busca as respostas, a economia e os negócios vivem a perplexidade de uma mudança profunda de perspectivas. “Até a crise de 2008, quase todos cantavam a partir da mesma partitura em louvor à economia dos Estados Unidos”, aponta Varoufakis no primeiro livro. “Políticos em Bruxelas, seus colegas em Tóquio, ex-comunistas europeus, europeus do Leste renascidos neodireitistas, economistas das universidades, todos eles lançavam um olhar de cobiça sobre os grandes oceanos em direção à terra da liberdade, convencidos de que os Estados Unidos eram o modelo a ser urgentemente e inequivocamente imitado.” As questões sobre a economia postas por Varoufakis não são propriamente novas, mas fazem parte da reflexão mais avançada sobre o assunto no momento. Desde 2008, no mínimo, centenas de economistas e pesquisadores de vários países, entre eles os economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, e do Citigroup, Willem Buiter, além do diretor-geral do Bank for Internacional Settlements, o BIS, Jaime Caruana, fazem uma revisão profunda dos parâmetros dominantes da teoria econômica.

Um dos aspectos mais importantes do pensamento de Varoufakis é a abordagem política da economia, com uma aposta forte no potencial de indignação e de reação das sociedades assoladas pela crise. “A capacidade de os poderosos compelirem os demais em benefício dos seus interesses, o poder de se apropriar ou privatizar uma parte desmesurada daquilo que é produzido socialmente, a autoridade para estabelecer a agenda política e econômica, não podem ser mantidos indefinidamente com base na força bruta. O segredo do poder real não está com os opressores, mas com os oprimidos.” Varoufakis poderá agora testar as suas ideias.


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