A inédita experiência de um primeiro de maio na Bolívia

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Por Daniel Araújo Valença
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Viajei à Bolívia para estudar os impasses e possibilidades de construção democrática do socialismo. Aqui chegando, por uma semana fazendo viagem turística, ao conversar com pessoas de distintas realidades e classes sociais, me aparentou que o horizonte socialista estava não apenas distante, mas, sobretudo, inexistente. Quanto à avaliação de Evo, cenário semelhante ao Brasil: em geral, as classes trabalhadoras o apoiam, enquanto os setores médios e as classes dominantes o rejeitam.
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Logo na semana seguinte, militares de baixa patente declararam-se em greve, pela “descolonização das forças armadas”, fim do preconceito e outras demandas. Após penalizações e posteriores tentativas de negociação por parte do governo e negativa dos grevistas, o governo e os principais movimentos sociais do país declararam que havia demandas legítimas que deveriam ser acolhidas, porém qualquer possibilidade de desestabilização democrática e do processo de mudança em curso seriam rechaçados.
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Coincidindo com o 1 de maio, a Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia (CSUTCB), principal organização nacional de camponeses, e a Central Obrera Boliviana (COB), somadas a outras entidades, convocaram um ato unificado para o dia do trabalhador.

Lá cheguei as 8hrs e, logo após, teve início a marcha, liderada por Evo, com destino à plaza Murillo, sede do Palácio de Governo. Na concentração final, o presidente, o vice Álvaro Garcia Linera e representantes de movimentos sociais subiram à sacada do Palácio. Primeiro tocou o hino da Bolívia; logo após, falou o representante da CSUTCB e o da COB. Antes da fala de Evo, entoou-se a Internacional Socialista, em castelhano.

Durante sua fala, o presidente citou o reajuste do salário mínimo de 1200 para 1440 bolivianos e o reajuste de 10% para todos os servidores públicos. Disse que aquele ato de unidade da classe trabalhadora nunca antes havia sido visto num 1 de maio na plaza Murillo e que, a pesar das divergencias e demandas que o governo poderia falhar,

Este día, el día del trabajador, el 1 de mayo, siempre debe ser para hacer profundas reflexiones, en la parte económica, en la parte social, y en la parte política. Yo me di cuenta en los últimos tiempos, que podemos tener diferencias con algunos hermanos; es un derecho constitucional ser antiimperialista o proimperialista. Pero, me di cuenta, el pueblo boliviano, los distintos sectores sociales, son anticolonialistas, antiimperialistas y anticapitalistas. Quiero decir en este día hermanos y hermanas: mientras existir imperialismo y capitalismo la lucha sigue, porque hay agentes externos que quieren alejarnos y justificar cualquier invasión, mucha reflexión […]

E prosseguiu lembrando que a América Latina foi e é alvo de golpes e ditaduras militares a partir da intervenção imperialista. Após seu discurso, dezenas de milhares de camponeses, indígenas originários e trabalhadores urbanos organizados continuaram a marcha pasando frente ao Palácio e referendando o presidente, sendo que após 1h30 de desfile desisti de acompanhar o final da passagem da marcha. Foi, sem dúvidas, a maior e mais intensa manifestação popular que já presenciei.

Conheci, logo após, a partir de Giovana Vargas, presidenta da juventude do MAS (partido de Evo) a Leonida Zurita Vargas, principal liderança de mulheres camponesas desde a década de 90. Conversando, ela me colocou: “vê a imagen de Tupak Katari? Antes de ser esquartejado pelos colonizadores ele disse: ‘voltarei e serei milhões’. E aquí estamos nós” . De maneira carinhosa, me apresentava a outros militantes como “el es de nuestros, es de grupo de Lula”. Me convidaram para almoçar e, após ser parada a todo tempo por populares, chegamos a um restaurante, simples, próximo ao centro. Lá, comemos pato (a primeira vez na minha vida, também) e por coincidencia à mesa ao lado estava a ministra da justiça do governo.

Voltei para casa a pé em boa parte do trajeto e sem acreditar no que havia presenciado. Algo completamente distinto para quem é brasileiro e nasceu na década de 80, em momento de refluxo da organização e consciência popular. Lembrei-me da imensa marcha que ocorreu em 1973, em Santigo do Chile, em apoio a Allende, quando também milhares de trabalhadores organizados marchavam em frente ao Palácio em apoio às mudanças em curso. Ali, Allende diria: “Aquí estamos defendiendo nuestro derecho a un porvenir de justicia y liberdad”.

Que nossos irmãos bolivianos consigam, de forma soberana, construir seu caminho em direção à justiça e liberdade, com a superação dos quinhentos anos de espoliação e opressão sobre seu povo.

*Daniel Araújo Valença é militante da Articulação de Esquerda, tendencia interna do Partido dos Trabalhadores, professor de Direito da UFERSA e estudante de doutorado pela UFPB.


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