Por Rafael Tomyama*
O embate entre as forças internas que defendem uma
candidatura própria do PT e os que querem a continuidade da aliança com a
oligarquia dos Gomes no Ceará reproduz o dilema que atravessa o partido em
nível nacional: num cenário de incertezas, manter-se numa tática conservadora
ou arriscar um novo salto de ousadia - o que viabilizou o seu crescimento
histórico no passado.
Acomodação subserviente
2014 iniciou com o lançamento de manifestos contra e pró
manutenção da aliança do PT com os irmãos Gomes no governo desde 2006. Em
discussão, a melhor tática eleitoral para viabilizar a reeleição da Presidenta
Dilma e a manutenção das políticas sociais e econômicas implementadas pelo PT
em nível nacional.
A eleição interna do PT, ocorrida no ano passado, apontou
uma aparente composição majoritária favorável à continuidade da política de
submissão ao grupo oligárquico (familiar) no controle do governo do Ceará. O
clã dos irmãos do atual governador Cid Ferreira Gomes, originário de Sobral, na
zona norte do Estado, domina várias legendas partidárias e mantém o PT sob seu
controle, remunerando o apoio de sua ala governista pelo favorecimento com
cargos e benesses.
Esta suposta maioria, conforme denunciado pela Articulação
de Esquerda, forjada ao custo da imobilização de um extraordinário montante de
recursos para pagamento de filiações em massa, teve como objetivo manter o
amplo poderio do chamado "Campo Democrático". Apesar do nome, o grupo
se caracteriza por suas práticas bem pouco democráticas, tencionando com a
solapar o debate interno, gerando um "clima de já ganhou"
pró-aliança, que tornaria inútil qualquer contestação.
Tal grupo, liderado pelo deputado federal José Guimarães, é
uma espécie de ala à direita da tendência nacional CNB (Construindo Um Novo
Brasil) que por sua vez, utilizou métodos semelhantes de cotização coletiva em
vários estados, para reeleger o atual presidente Rui Falcão e, em conjunto com
outras forças, compor o segmento majoritário no Diretório Nacional do PT.
A política da maioria da CNB no Ceará de alinhamento ao
governismo, se justifica a si mesma pelo discurso de que haveria uma certa
"dívida de gratidão ao sacrifício" da oligarquia e seu grupo pela
fidelidade à base aliada do governo Dilma. Seu objetivo, todavia, é movido por
algo menos nobre e mais pragmático: viabilizar a candidatura de Guimarães ao
Senado.
O cenário eleitoral recente no Ceará foi modificado pela
manobra abrupta dos irmãos Gomes que, da noite para o dia, abandonaram o PSB de
Eduardo Campos e ingressaram com malas e bagagens na sigla direitista PROS.
Porém para os petistas governistas, o fenômeno da
volatilidade organizativa do PFG, partido dos Ferreira Gomes - alcunha que
denota o espraiamento de seus tentáculos - a movimentação oscilante não é
propositalmente enxergada como inerente ao oportunismo político e da ausência
de projeto ideológico definido.
A mudança para a legenda recém-criada, além de permitir a
permanência na heterogênea base aliada da presidenta Dilma, foi a forma de
obter a garantia de que os mandatários não tivessem contestados os seus
mandatos, visto que a curiosa legislação eleitoral brasileira acaba produzindo
tal tipo de excrescência jurídica.
No entanto, a definição da aliança ou não no estado está
alinhada com a tática nacional do PT, que coloca como prioridade central a
reeleição da Presidenta Dilma. Trata-se de uma tática extremamente
conservadora, porque duvida da própria capacidade de mobilização de sua força
hegemônica na sociedade brasileira.
Assim sendo, a tática idealizada pela CNB visa vencer nos
principais estados do Sul e Sudeste, reservando a maioria das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste como moeda de troca para aplacar os ânimos de
"aliados" oligárquicos em cada estado, que chantageiam a propalada
governabilidade do PT no plano federal.
É, portanto, uma tática da centralização nacional, da
hierarquização dos estados, divididos entre os "importantes" e os
"bucha-de-canhão" e reprodutora da lógica do capital da exclusão das
"periferias" pelo centro de gravidade econômico. Parece que nada
aprenderam com as jornadas de junho de 2013.
Outros planos
Na contramão desta tendência retrógrada, um conjunto de
forças políticas internas - dentre as quais a Articulação de Esquerda - defende
a tese da candidatura própria do PT no Ceará.
A ex-prefeita Luizianne Lins (DS) aparece como a maior
expressão deste bloco, mas não estariam descartados outros nomes, como o do
Senador José Pimentel, que permanece como alternativa do planalto, caso as
negociações tomem um rumo imprevisto.
O "imprevisto" responde pelo nome de Eunício
Oliveira, Senador do PMDB que insiste na sua candidatura ao governo e, como
afirma, independente de ser alvo do apoio dos Gomes ou não. Eunício é um homem
de negócios, genro do patriarca Paes de Andrade e uma das principais lideranças
do PMDB nacional.
Ele recusou recentemente o convite para assumir um
Ministério no governo federal e a movimentação foi interpretada como uma
tentativa de tirá-lo da corrida eleitoral no Ceará. Inversamente, o faminto
PMDB pressiona o PT pelo apoio no estado, devido aos arranjos para manutenção
da aliança nacional.
Como parte do movimento de pressão, Eunício dá sinais que
dialoga com setores oposicionistas e deixa vazar a notícia de que poderia
contar inclusive com o apoio do hoje adversário do governo, Tasso Jereissati
(PSDB).
Como reação às cobranças de Eunício, apareceram rumores de
que o governador Cid Gomes poderia vir a se licenciar para concorrer ao Senado,
apoiando um nome do PT de sua confiança ao governo. O tal "plano B"
parece ser mais um balão de ensaio, afetando diretamente o interesse de Guimarães
na disputa pelo Senado.
Devido ao envolvimento de seu nome em escândalos
constrangedores, a candidatura de Guimarães ao Senado, no entanto, só parece
viável com a unidade do atual bloco aliado no poder.
Ocaso tucano
A propósito da paradoxal situação do PSDB no Ceará, costela
da qual se origina o PFG: do processo de reviravoltas nas composições das
legendas partidárias, o tucanato deixou de deter a maior votação na Assembleia
Legislativa do Ceará para sofrer um completo esvaziamento de seus deputados
para as neolegendas PROS e Solidariedade.
O gradual desmonte do PSDB no estado, após a derrota de
Tasso Jereissati na disputa pelo Senado em 2010, ao contrário de resultar de um
suposto avanço do "campo progressista", na verdade, se deu pela
substituição dos "coronéis do asfalto", ocupando o papel que o
tassismo desempenhou na relação hegemônica entre os poderes econômicos e
político no estado.
Ousadia da vontade
Mas voltando ao assunto, a divisão da base aliada à Dilma no
Ceará é o combustível que impulsiona a tese de uma candidatura do PT ao
governo. Além do PMDB, o PR de Roberto Pessoa, ex-prefeito de Maracanaú, na
Região Metropolitana de Fortaleza e desafeto do governador Cid Gomes, também
pretende lançar candidato ou compor uma heterogênea (e improvável) aliança com
outros partidos de oposição.
Se os partidos aliados nacionalmente estão divididos
localmente, por que não seria plausível uma candidatura do PT? Questionam os
defensores da viabilidade eleitoral de uma candidatura petista.
A divisão local dos aliados nacionais também reflete o
desconforto de parte do eleitorado com o desgaste do governo estadual após 8
anos de gestão e de acúmulos de fracassos na áreas da segurança, abastecimento
d'água e má aplicação de verbas em obras faraônicas ou sem funcionamento
adequado por falta de planejamento.
Em política, como se sabe, nem sempre a soma resulta num
resultado positivo. Um arranjo distinto pode beneficiar a candidatura da Dilma
no Ceará e fortalecer ainda mais o peso eleitoral do PT que, conforme os dados
de pesquisa citada por Luizianne, tem 38% da preferência do eleitorado.
Por isso mesmo a preocupação dos Gomes em manter o PT sob
seu mando.
A própria Luizianne é um produto da ousadia. Ela se elegeu
prefeita de Fortaleza porque o PT municipal recusou a tese de apoio à outra
legenda e lançou a candidata por uma pequena margem de votos no encontro
partidário.
A analogia parece mais apropriada, contudo, com o encontro
estadual do PT-CE em 1994, quando por uma pequena maioria se aprovou a
coligação com a chapa governista tucana de Tasso Jereissati, que cumpria, na
época, o mesmo papel de confluência dos interesses dominantes.
O Diretório Nacional do PT, então comandado por Rui Falcão e
a ala à esquerda do PT, recusou a malfadada aliança.
Hoje, ao inverso, Rui Falcão parece infelizmente rendido à
uma perspectiva bem mais pragmática. É dela que emana uma política subalterna
aos interesses conservadores com os quais o campo majoritário petista permanece
aliado.
*Rafael Tomyama é membro do Diretório Estadual do PT-CE
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