por VLADIMIR SAFATLE
"Se for confirmado cartel, o Estado é vítima."
Esta é uma frase que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pode anexar ao
seu compêndio.
Ela poderá vir na mesma página de outra que gosto muito,
proferida à ocasião de mais uma ação espetacular de sua polícia: "Quem não
reagiu, está vivo". As duas têm em comum a mesma capacidade de tentar,
digamos, usar o óbvio para esconder o absurdo.
De que há um cartel comandando a construção do metrô de São
Paulo não precisávamos esperar as últimas semanas para desconfiar. O caso
Alstom roda nas cortes europeias há anos, com denúncias substantivas contra o
governo paulista.
Notícias que davam conta de concorrências forjadas
frequentaram as páginas dos jornais mais de uma vez. Devido a elas, o
presidente da companhia estadual de metrô chegou a ser afastado pelo Ministério
Público por suspeita de fraude em licitações, para em seguida ser reconduzido
e, meses depois, pedir demissão.
Com uma lista dessas nas mãos, não era difícil juntar os
pontos e perceber que havia indícios extremamente plausíveis de que o Metrô
paulistano se tornara um celeiro de propinas para o partido que governa São
Paulo há tanto tempo que a maioria até parou de contar.
Não são poucos os paulistas que esperam uma devassa capaz de
explicar por que, afinal, o Metrô ultimamente aparece mais nas páginas
policiais do que nas páginas dedicadas à inauguração de obras públicas.
De fato, o Estado é
vítima em toda essa história, como bem lembrou o governador. Falta perguntar de
quem. Pois, ao que tudo indica, o Estado é, neste caso, vítima de seu próprio
governo.
É difícil acreditar que um cartel dessa monta passe décadas
a operar no Estado sem que seu governo simplesmente não soubesse de nada. Claro
que os membros do governos poderão dizer: "Eu não sabia". Já vimos
esse filme antes, só que em outro canal.
De toda forma, temos diante de nós um belo instante para
recuperar a luta contra a corrupção, para além do udenismo que a colonizou nos
últimos tempos.
Até o momento, tentou-se atrelar a indignação popular ao
raciocínio seletivo de quem acusa seus inimigos corruptos para proteger seus
amigos igualmente corruptos.
Agora que a exigência de uma outra política aparece de
maneira ampla, o fastio com a corrupção pode ser uma arma importante para a
conscientização da necessidade de uma reinvenção democrática radical.
Neste modelo de democracia que temos, com suas relações
incestuosas entre empresariado e classe política, todo inverno termina em um
mar de lama.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna
da Folha de São Paulo.
0 Response to "No fim da linha... o Cartel do Metrô de São Paulo"
Postar um comentário