A reunião do Diretório Nacional (DN) ocorrida neste sábado, 20 de julho, em Brasília, foi a primeira desde o início das manifestações que tomaram conta das ruas de todo o Brasil.
Frente às mobilizações de centenas de milhares de pessoas, marcadas principalmente pela presença de jovens, o governo Dilma tomou uma série de iniciativas, dentre elas a defesa enfática de uma reforma política, a ser definida por meio de um plebiscito nacional.
O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, intensificou a campanha pela reforma política, que já havia sido lançada no início deste ano. E foi mantido o Processo de Eleições Diretas (PED 2013), que renovará suas direções em todos os níveis.
É neste contexto que se deu a reunião do DN. Mas o centro da pauta do DN foi a crise gerada pelo deputado Cândido Vaccarezza; e a alteração tardia e casuística nas regras do PED.
Página 13 entrevistou Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT e candidato à presidência nacional do Partido pela chapa “A esperança é vermelha”, acerca destes e de outros assuntos.
Página 13. O PT foi surpreendido pela indicação, feita pelo presidente da Câmara, do deputado petista Cândido Vaccarezza para coordenar o “grupo de trabalho para a reforma política e consulta popular sobre o tema”. Como foi este debate no DN?
Valter Pomar. Na minha opinião, a posição mais acertada teria sido denunciar a manobra feita pelo presidente da Câmara, ficar fora deste grupo de trabalho e concentrar energias em duas outras frentes: na coleta de 171 assinaturas, dentre os parlamentares, para apresentarmos um projeto de Decreto Legislativo que viabilize o plebiscito; e na coleta de assinaturas, junto a população, de nosso Projeto de Lei de Inicativa Popular.
A bancada, entretanto, optou por participar do grupo de trabalho e indicou para tal tarefa o deputado Henrique Fontana, que foi o relator da mais recente tentativa de reforma política.
Para surpresa geral, o presidente da Câmara, que é do PMDB, indicou o deputado Vaccarezza para coordenar o grupo de trabalho. Depois “concedeu” ao PT uma segunda vaga. O deputado Fontana renunciou a esta indicação e a bancada escolheu o deputado Ricardo Berzoini para seu lugar no grupo de trabalho.
Além disso, o líder da bancada, deputado José Guimarães, divulgou uma nota deixando claro que é Berzoni, e não Vaccarezza, quem fala em nome do Partido.
A posição do Diretório Nacional é respaldar a postura da bancada, ou seja, deixar claro que Vaccarezza não expressa o pensamento da bancada, nem do PT.
Página 13. Não teria sido o caso de aplicar algum tipo de sanção, já que Vaccarezza aceitou a coordenação do grupo de trabalho contra a vontade do PT e ainda deu declarações públicas contrárias ao que o partido defende?
Valter Pomar. O correto teria sido o Diretório Nacional aprovar uma resolução determinando ao deputado Vaccarezza que renunciasse ao grupo de trabalho, onde ele está representando o PMDB. Infelizmente, esta posição não foi aprovada: 43 membros do DN se contentaram em reafirmar a posição da bancada, houve duas abstenções e 27 dirigentes votaram a favor da determinação de que Vaccarezza renunciasse.
Os argumentos contrários a resolução determinando que Vaccarezza renunciasse são de vários tipos. Alguns acreditam que Vaccarezza, no final das contas, defenderá a posição do PT. Para tentar provar isto, apresentaram uma nota pública assinada por Vaccarezza, onde ele afirma que defende as posições do PT. É bom dizer que Vaccarezza mesmo não apareceu na reunião do Diretório e que, em sua nota pública, o deputado não fala uma única palavra sobre um dos pomos da discórdia, a saber: a reforma vai valer para 2014 ou não? Outros acham que não se deve adotar medidas de teor punitivo. Quem pensa assim comete um ato falho, pois nossa proposta de resolução apenas “determinava”: quem é contra medidas punitivas é porque imagina que Cândido Vaccarezza não daria a mínima para a determinação partidária. Finalmente, há os que acreditam que aprovar uma resolução deste tipo seria fazer “luta política”. Ou seja: o PMDB pode fazer luta política, inclusive luta interna no PT, mas a direção do PT não pode se defender.
Página 13. O que o DN aprovou, para enfrentar os desafios da nova conjuntura?
Valter Pomar. Esta pergunta ainda não pode ser respondida com exatidão. Explico. A reunião não começou debatendo conjuntura, mas sim ouvindo informes, depois discutiu a crise causada pelo Vaccarezza, em seguida votou alterações no regulamento do PED, deixando para o final o debate sobre conjuntura.
Havia uma proposta de texto base (http://valterpomar.blogspot.com.br/2013/07/proposta-apresentada-ao-dn-do-pt.html) elaborado pelo grupo de conjuntura da Fundação Perseu Abramo, já contendo algumas emendas apresentadas por integrantes do Diretório. Mas este texto não foi consenso e, ao final, não foi submetido à votação. Uma comissão, composta por Ricardo Berzoini, por mim e por Carlos Henrique Árabe vai consolidar as emendas apresentadas e o texto resultante será aprovado, ou não, pela comissão executiva nacional do Partido.
Entretanto, o debate travado no DN acerca da conjuntura mostrou, na minha opinião, que uma parte dos integrantes do Diretório Nacional não entendeu corretamente a profundidade da mudança na situação política nacional, a partir das mobilizações de junho. O que está relacionado, por sua vez, com as decisões adotadas pelo Diretório acerca do PED.
Página 13. Qual a avaliação que o PT faz sobre a participação dos filiados neste processo e qual a importância do PED neste momento?
Valter Pomar. Me parece que todos consideram o PED muito importante, como foi por exemplo em 2005. E há uma preocupação com o pequeno número de pessoas que, hoje, estão em condições de votar. Há controvérsias sobre qual seria este número: há quem fale em 10 mil, eu acho que o número correto ultrapassa os 100 mil. A preocupação com o número é especialmente forte dentre aqueles que se habituaram, no último período, a ganhar as disputas internas mobilizando de maneira tradicional os filiados. Para deixar claro: aqueles que pagam para os filiados votarem, que carregam os filiados para votar, que tratam os filiados como massa de manobra, que não estimulam a formação e o debate político. Uma aliança entre estes, com alguns que estão legitimamente preocupados, levou o DN a aprovar mudanças no regulamento, com o objetivo de aumentar o número de potenciais eleitores no PED.
Página 13. Quais foram as principais alterações aprovadas pelo DN, no regulamento do PED?
Valter Pomar. O prazo para pagar o PT foi ampliado, para 30 de agosto (no caso de cotizações individuais) e para 30 de setembro (no caso de cotizações coletivas). Alterou-se a distribuição dos recursos do fundo partidário: antes, 50% eram divididos igualmente entre todas as chapas e candidaturas; agora, só 20% serão divididos igualmente. As chapas não precisarão mais ser pré-ordenadas. Agora elas poderão ser pós-ordenadas, ou seja, o filiado vota na lista, mas sem saber em qual ordem os componentes desta lista farão parte do DN. Além da anterior, revogou-se a seguinte resolução do IV Congresso: “será necessário participação do filiado em pelo menos uma atividade partidária no ano para votar e ser votado”. Todas estas alterações foram feitas com um argumento principal: é preciso ampliar o número de pessoas que vão votar no PED. Certamente, todos queremos que centenas de milhares de filiados participem do PED. Mas é preciso quantidade com qualidade. E não se pode, em nome da quantidade, violentar as resoluções aprovadas pelo Congresso.
Página 13. O Diretório Nacional pode alterar as regras do PED, mesmo as que foram aprovadas pelo IV Congresso do PT?
Valter Pomar. O Diretório não pode alterar aquelas partes do regulamento que reproduzem a resolução congressual. Especialmente neste caso, em que as alterações foram aprovadas por 41 votos, que é menos do que a maioria absoluta dos membros do DN. Ou seja, não houve nem consenso, nem maioria qualificada, nem mesmo maioria de 50% mais 1 dos membros do Diretório Nacional. O que vimos foi uma minoria aprovar mudanças nas regras. O pretexto foi aumentar o número de filiados que poderão votar no PED. Mas o que isto tem que ver com as listas pré-ordenadas, ou com a distribuição de recursos para as chapas? Ademais, vamos dar uma de ingênuos e acreditar que estas mudanças não foram introduzidas para favorecer a atual maioria relativa do DN. Ainda assim, vale perguntar: aberto o precedente, que garantia temos de que novas alterações não serão feitas?
Página 13. Que implicações um precedente como este, alterar decisões congressuais, trazem para a democracia interna do partido?
Valter Pomar. É muito grave alterar as regras do jogo, no meio do jogo. Especialmente quando isto ocorre sem consenso ou pelo menos amplíssima maioria. Mais grave ainda é que estas alterações resultem em benefício evidente para a maioria relativa que aprovou as respectivas alterações. E muito pior é que esta alteração implique na revogação de decisões adotadas pelo recente IV Congresso partidário.
Podemos ter diferentes opiniões sobre o mérito do que foi aprovado. Em alguns casos, é bom dizer, no Congresso doPartido eu votei contra algumas das regras lá aprovadas e agora alteradas. Mas o problema não é de mérito, o problema é de método: abriu-se um precedente inaceitável. Afinal, a mesma maioria que alterou as regras hoje, poderá fazer novas alterações amanhã.
Ficam revogados, assim, dois preceitos básicos da democracia partidária: o caráter supremo das resoluções congressuais e a possibilidade da minoria converter-se, com base nas regras estatutárias, em maioria. Pois a maioria pode mudar a qualquer momento as regras em seu favor.
Como disse um companheiro, prevaleceu o seguinte critério: “O estatuto não vale. Revogam-se disposições em contrário”.
Página 13. Às vésperas de 2005, dizia-se que a maioria então constituída no DN impedia o debate interno, que as reuniões serviam somente para validar as decisões tomadas no grupo majoritário. Com a crise, a direção seguinte trouxe mais equilíbrio entre as forças e arejou o PT internamente. Tendo em vista estas decisões sobre o PED, estamos vendo a repetição daquele quadro?
Valter Pomar. Esta votação mostrou, sim, a volta de um método de operar que lembra os piores momentos do velho “campo majoritário”. Durante a reunião, eu e vários outros integrantes do DN apresentamos alternativas que buscavam preservar as resoluções congressuais. Em nenhum momento adotamos uma postura inflexível frente às preocupações apresentadas pela maioria. Infelizmente, a maioria não buscou o consenso, a mediação. Numa das votações, aliás, deu-se algo notável: todos os candidatos à presidência nacional votamos a favor da manutenção de uma regras aprovado pelo IV Congresso; e fomos todos derrotados.
Página 13. É possível reverter esta situação, para que o PED seja capaz de construir uma nova estratégia para o PT?
Valter Pomar. Possível é e vamos lutar por isto. Mas há um agravante a considerar: a mesma reunião que violentou o regulamento do PED, não votou uma resolução sobre os desafios da conjuntura. A rigor, ficaram valendo as resoluções anteriores da executiva nacional do PT, que são corretas. Mas o DN, ao invés de dar um passo além, marcou passo. Ou, para ser franco, considerando o caso Vaccarezza e o PED, deu um passo atrás.
Página 13. No final deste ano haverá o V Congresso do PT. Como os militantes podem ter certeza de que suas deliberações serão respeitadas, com precedentes como este?
Valter Pomar. Se estas decisões não forem suspensas e revistas, não há como ter certeza. Pois se as resoluções do IV Congresso não são para valer, qual a garantia de que as do V Congresso vão valer? O tema de fundo é o seguinte: precisamos eleger uma direção capaz de dar conta de uma nova situação política, o que inclui levar em devida conta os ensinamentos das mobilizações de junho. E as ruas estão insatisfeitas com o estilo PMDB de fazer política. Infelizmente, tem gente dentro do PT que adota este estilo. Vaccarezza não é o único.
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