Antônio Lemos |
Cineasta Catalão Ramon de Baños |
A frustração de Rocque seria evitada não só porque Petit encerra aquele estudo denominado “Ramon de Baños, um pioneiro do cinema catalão em Belém do Pará nos tempos da borracha (1911-1913)”, com a esperança de ainda encontrar o filme. Petit também mostra que se as cenas registradas por Baño não podem, hoje, ser vistas no filme, elas estão preservadas nas descrições claras e minuciosas feitas pelo cineasta em seu diário e nas “Cartas à Rosita”, endereçadas à namorada que ele havia deixado em Barcelona. Trechos destes textos o pesquisador traduziu e transcreveu no seu estudo.
Um deles certamente despertaria interesse e assombro em Carlos Rocque: o que descreve o comportamento de Virgílio de Mendonça no filme com o registro daquele momento dramático, no qual ele manteve Lemos, com roupas sujas e rasgadas, sob seu poder, dentro da residência dele, para onde Lemos tinha sido levado à força pela multidão. Como registram os textos escritos pelo próprio cineasta, no filme Virgílio aparece como o protetor de Lemos, naquele instante. Portanto, no desempenho de um papel que todos os pesquisadores deste assunto têm atribuído a outro personagem importante daquele contexto histórico-político, Lauro Sodré, o maior líder dos adversários de Lemos, chamado às pressas para intervir nos acontecimentos que ocorriam na casa de Virgílio.
Ora, na pesquisa de Rocque, Virgílio, na verdade, aparece como um dos inimigos mais perigosos de Lemos, aquele que foi colocado no cargo dele. Embora Rocque não lhe negue méritos, sobretudo no exercício da Medicina, durante a Campanha de Canudos, quando Virgílio assumiu o cargo de capitão-médico da Brigada Militar do Pará.
Além disto, os mesmos depoimentos e jornais antigos que levaram Rocque a se convencer do perigo que representou para Lemos o ódio pessoal de Virgílio já tinham atribuído a Virgílio um papel muito diferente do de salvador da vida de seu inimigo político. Um papel, aliás, tão consistentemente colado em Virgílio que ele seria obrigado a recusá-lo até o final de sua vida: o de quem, na realidade, quis assassinar Lemos quando ele permaneceu, subjugado, na residência dele.
Virgílio já entrava nos seus últimos anos de existência e mais uma vez se viu forçado a se defender daquela acusação. No dia 13 de março de 1938, portanto, 26 anos depois da humilhação pública de Lemos, a Folha do Norte publicou uma carta, hoje completamente esquecida pelos pesquisadores, na qual ele declarava que gostaria de “tirar o mau efeito da notícia que dava a entender que a vida do senhor Lemos corria perigo em minha casa”
Como, então, ele pareceu proteger Lemos no filme de Baños? O mistério criado pelo cineasta foi desfeito por ele mesmo, em outro trecho de seus textos. As cenas que ele gravou na casa de Virgílio não foram exatamente as dos acontecimentos aos quais elas remetem. Mas uma encenação posterior, numa improvisação proposta por Baños e logo aceita pelo atilado Virgílio, ciente de que conquanto ele e seus partidários tivessem conseguido colocar Lemos numa situação de grande fragilidade política no Pará, fora do Estado ele contava com apoio, simpatia e admiração de pessoas poderosas, como Pinheiro Machado, o líder nacional de seu partido, o Republicano Conservador. E, através dele, do próprio presidente da República, Hermes da Fonseca.
Portanto, naquelas circunstâncias a intenção ousada e criminosa de assassinar Lemos implicava em riscos. Os quais, obviamente, poderiam ser neutralizados pelas cenas gravadas por Baños. Afinal outro trabalho do catalão, um filme sobre a produção da borracha, chegou a ser exibido, nos centros de poder da República, até para autoridades dos Estados Unidos.
(Diário do Pará)
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