por Rodrigo Vianna
No mesmo dia em que a
Venezuela reelegeu Hugo Chávez (mas não era uma “ditadura”? Curioso… A
oposição lutou nas urnas, e legitimou o processo, conquistando 45% dos votos), a
democracia brasileira deu demonstrações inequívocas de força e
complexidade. A seguir, um balanço das eleições municipais.
A realidade contrariou as previsões (ou sera a
torcida?) de colunistas da velha mídia. O PT e Lula não sofreram a derrota
acachapante desejada por mervais e outros que tais. E não apenas
porque Haddad foi ao segundo turno em São Paulo, com chances razoáveis de
vencer Serra. O PT também manteve a força na Grande São Paulo (venceu em
São Bernardo do Campo, e deve confirmar Guarulhos, Osasco e Santo
André no segundo turno), avançou sobre o Vale do Paraíba (reduto de Alckmin),
elegendo em primeiro turno o prefeito de São José dos Campos (cidade do
emblemático despejo do Pinheirinho; entre ”Mensalão”
e “Pinheirinho” o segundo parece ter pesado mais para definir a derrota tucana). O
PT também surpreendeu em Campinas, levando Márcio Pochmann ao segundo
turno, contra o candidato de Alckmin.
O tucanato paulista (ainda forte no interior e nos
bairros centrais da capital) terá que suar para manter o controle do
Estado em 2014; talvez, não tenha energia para mais uma disputa nacional.
O PT também se fortaleceu em Minas, apesar da derrota para
Aécio/Lacerda em BH. O partido de Lula consquistou importantes cidades
mineiras, como Uberlândia, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Ipatinga, e vai
disputar o segundo turno em Juiz de Fora. Na cidade operária
de Contagem, a derrota de Aécio foi mais dolorida: PCdoB e PT
disputarão segundo turno, deixando os tucanos de fora. O que isso
tudo significa? Aécio sem dúvida colheu uma vitória pessoal sobre Dilma e Lula
com a eleição de Lacerda (PSB). Mas a força do mineiro é relativa – ainda
que respeitável.
Voltemos agora o olhar para o quadro nacional. Se o PT
não colheu a derrota acachapante que certos colunistas (cada vez mais
desmoralizados pelos fatos) previam, também não saiu excessivamente
fortalecido. E por isso falo que a democracia brasileira mostrou maturidade.
Outro fato salta aos olhos: onde o PT e o núcleo
duro do lulismo fracassaram, não foi a velha oposição que avançou. Não. No
Brasil, desenha-se cada vez com mais força o nascimento de uma “terceira
força” - ainda disforme, incompleta e que talvez não tenha peso para
derrotar o lulismo já em 2014. O PSB de Eduardo Campos é a face mais
evidente dessa “nova oposição” que pode brotar de dentro do governismo.
Os socialistas consolidam-se como a quarta
legenda nacional, deixando pra trás os decadentes DEM, PTB e PP. Isso fica
evidente até pelo número de prefeitos eleitos pelo PSB (433), já se
aproximando de PT (627, em alta), PSDB (688, em queda) e PMDB (1.016, em queda, mas
ainda assim o partido com mais capilaridade no país).
A vitória em primeiro turno no Recife foi estratégica para
Eduardo Campos. E a vitória em BH (jogando de tabelinha com Aécio) é um
recado ao PT: se não conseguir mais espaço na aliança governista, pode ser uma
força independente em 2014, ou até articular aliança com os tucanos de
Minas.
Imaginem uma eleição presidencial com Dilma, Aécio (conquistando
o voto anti-PT do Sul e de São Paulo, e ainda arrancando do lulismo parte dos
votos mineiros que foram tão importantes em 2010), Marina (arregimentando
a tal “nova classe média” e os setores descontentes com o PT)… Eduardo
Campos e PSB poderiam surgir como uma quarta força (tirando do PT
parte do eleitorado nordestino) – uma força que pode atuar sozinha ou em parceria
com as outras três acima listadas. É eleição para dois turnos – com
favoritismo para Dilma, mas muito mais aberta do que em 2010.
Mas o PT mostra uma capacidade grande de adaptação. Avança
para o Centro-Oeste(conquistou Goiânia e pode levar Cuiabá no segundo turno),
antes apontada como região “conservadora” (será que o PT passa a ser visto como
uma centro-esquerda cada vez mais moderada, fiadora da estabilidade?); pode
colher vitórias importantes no Nordeste (Salvador, Fortaleza e João
Pessoa) no segundo turno; e aprende a colocar-se como coadjuvante nos
locais onde o eleitorado torce o nariz para o partido (é o caso de
Curitiba, onde a legenda de Lula integra a coligação de Fruet, do PDT, que
foi ao segundo turno contrariando todas as pesquisas).
Aliás, é importante destacar também o avanço
relativo do PDT: elegeu Fortunatti em Porto Alegre, pode conquistar
Curitiba e tem boas chances em Natal. É da base aliada de Dilma. Mais um
exemplo de que não é a velha oposição que avança onde o PT tem dificuldades. À
diferença do PSB, no entanto, a legenda trabalhista não tem um nome nacional
para unificá-la. De toda forma, ganha musculatura para negociar mais
espaço.
O quadro geral, poranto, é de fragmentação. O PT – partido
ainda hegemônico no país - terá tenha que fazer uma escolha: vai
priorizar a aliança com PMDB (partido que domina os pequenos municípios)? Ou
terá que abrir mais espaço para PSB e outras legendas de centro-esquerda?
E a velha oposição? Está claro que PSDB e
DEM dependem cada vez mais - para seu projeto nacional de
poder - das defecções na base governista. Hoje, os tucanos precisam
mais de Eduardo Campos do que o contrário. Com o PSB, Aécio ficaria
realmente forte. Não é à toa que FHC lança hoje na “Folha de S. Paulo” (espécie
de diário oficial do tucanato) um pedido, quase uma súplica ao líder
socialista, ao falar de aliança com o PSB: “se houver, será forte e
salutar, Mas depende do desempenho do governo federal e das alianças da
presidente Dilma para ver se o Eduardo se arrisca a romper.”
Difícil imaginar que Eduardo Campos vire linha auxiliar
do tucanato paulista. Ele não precisa disso. Pode esperar até 2018, costurando
até lá uma ponte com o Sudeste via Aécio e PSD de Kassab. Nesse caso,
parte da velha oposição (embutida no “novo” partido kassabista) é que viraria
linha auxiliar do PSB.
Do ponto devista das classes e grupos sociais, o que
isso tudo significa? O PT e o lulismo costuraram um “bloco político” que teve
papel relevante num país extremamente desigual. Se o Brasil, graças ao
lulismo, se transformar mesmo num “enorme país de classe média”, pode ser
que uma nova força tenha que surgir para comandar o processo. Não será o
PSDB paulista/DEM (que representam as velhas elites e a velha classe média,
desesperadas com a perda de espaço); e talvez a médio prazo não seja o PT
a comandar esse novo bloco histórico.
A tal nova (?) força (representando setores
emergentes nas capitais e nas maiores cidades do
interior) incorporaria a pauta ambiental, significando um passo adiante no
projeto lulista de inclusão via crédito/consumo/programas sociais.
Isso já ficou evidente com a votação de Marina em 2010. Em
2012, o eleitorado deu o mesmo recado, procurando escapar da polarização
extrema entre PT e PSDB. Em 2014 e 2018, o espaço estará aberto para essa
nova força que hoje ainda não se consolidou.
Dilma e Lula têm sabedoria para “ler” esse quadro. E talvez
por isso caminhem cada vez mais para o centro – para desespero da velha
esquerda, e dos sindicatos e movimentos sociais que se alinham com o
lulismo. O PT pode ter fôlego para se adaptar aos novos tempos. Mas certamente
há mais gente disposta ocupar esse espaço.
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