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Ingresso da Venezuela não é sanção ao Paraguai, mas oxigênio ao Mercosul

 

Por Deisy Ventura

Dilma, Cristina e Mujica dispensam ajuda para reconhecer um golpe de Estado. A trinca presidencial do Mercosul já sentiu na carne, outrora, o que é uma legalidade forjada. Golpistas costumam valer-se da soberania nacional para interpretar o direito de maneira peculiar.
E nunca lhes faltou advogados, por vezes até paradoxalmente alojados em Cortes Supremas. Por isto, o gesto mais importante da cúpula presidencial de Mendoza foi o consenso quanto à imperativa necessidade de suspender a participação do Paraguai no processo deliberativo do bloco. Mas é importante entender que esta suspensão e o ingresso da Venezuela não constituem sanções ao Paraguai.

Primeiramente, a participação em âmbitos de integração regional implica uma contrapartida no mais elevado plano político. Como assumir compromissos de médio e longo prazo com regimes presidencialistas cujos parlamentos podem destituir um Presidente em dois dias? É claro que negócios vantajosos que um bloco econômico como o Mercosul pode propiciar suscitam a cobiça de qualquer governo.

Também é confortável a posição de barganha que deriva do poder de veto, sobretudo quando se tem a possibilidade de travar sistematicamente a entrada de um grande país no bloco. Com efeito, a Venezuela poderia reequilibrar a avassaladora assimetria que existe entre os membros do Mercosul.

Ocorre que a cúpula de Mendoza lembrou à elite paraguaia uma velha expressão francesa: não se pode querer, ao mesmo tempo, le beurre et l’argent du beurre (a manteiga e o dinheiro da manteiga). O preço de participar de um clube é o respeito à essência dos pactos. Ora, depor um Presidente é algo muito mais grave do que, por exemplo, impor uma salvaguarda comercial. Por muito menos do que ocorreu no Paraguai, a União Europeia, na famosa crise institucional de 2000, adotou sanções contra a Áustria que, à época, pendia perigosamente à extrema direita.

Por outro lado, os Estados que elaboram e ratificam normas internacionais sobre a democracia e os direitos humanos não devem ficar surpresos quando elas são aplicadas. Isto é ainda mais evidente quando se trata do Protocolo de Ushuaia, de 1998, que foi uma resposta regional aos ímpetos golpistas então manifestados no próprio Paraguai.

Em busca de estabilidade política, Assunção ratificou com rapidez a chamada “cláusula democrática” do Mercosul. Nela, a suspensão jamais é referida como sanção, e sim como medida, fazendo da democracia formal um critério de convívio entre pares. Aplicá-la não constitui, portanto, desrespeito algum à soberania nacional.

Ingerência ilegítima seria, por exemplo, qualificar o desempenho de um governo alheio como “mau” ou “bom”. Algo semelhante ao que o Parlamento paraguaio fez em relação à soberania popular: depois de boicotar ostensivamente, durante três anos, um Presidente eleito pelo povo, terminou por destituí-lo com base em um juízo de valor.

Não responder a este gesto seria encorajá-lo alhures, em especial nos países cuja viabilidade do governo depende de largas e heterogêneas coalizões parlamentares. Que governo pode ser “bom” quando é refém de um parlamento que se refugia em seu mandato enquanto foge dos anseios do povo?
Por fim, vale lembrar que Caracas já ratificou, em 2007, o ora polêmico Protocolo de Ushuaia. Assim, após uma longa letargia do bloco, talvez possamos esperar que a presença da Venezuela no Mercosul se revele benfazeja para ambos.

*Deisy Ventura, 44, é professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Fonte: Folha de São Paulo


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