Eleições no Estado espanhol: uma sociedade sem rumo entrega o governo à bola da vez

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Por Pep Valenzuela , desde Barcelona


Em breve não vai ser mais necessário fazer eleições. De um lado, os institutos de pesquisa anunciam com semanas de antecipação os resultados, quase que com perfeição milimétrica. Do outro lado, o resultado serve apenas para alegrar ou frustrar os torcedores de um ou outro time. O programa de governo, no fim das contas, já não é elaborado no país nem pelos políticos do Estado espanhol. Agora, isto já é lugar comum, os próprios dirigentes falam-no, quem decide são, na versão mais esotérica, os tais de “mercados” ou, numa proposta mais tangível, a “troika” (FMI, UE, BCE). Os governos das prototípicas “nações-estado”, agora são só administradores obedientes.

Por exemplo: de acordo com correspondentes internacionais dos mais prestigiados jornais e canais informativos do mundo, citados por um conhecido jornal de Madri, “é muito difícil informar sobre uma corrida cujo resultado é dado por feito”. A maioria deles, ao mesmo tempo, considera “surpreendente que o candidato com mais possibilidades não concretize o seu programa”, ao tempo que afirmam que, no fim das contas, “as decisões importantes serão tomadas em Bruxelas e Berlim”. De acordo com o correspondente do The New York Times, Raphael Minder, “o destino e o futuro da Espanha não vai se decidir aqui”.

Pois sim, é isso mesmo, sem surpresas nos resultados das eleições. A alegria e vida que o movimento dos indignados levou para as ruas, durante os últimos meses, no melhor dos casos, não conseguiram ainda ter repercussão no mundo da política “institucionalizada”, ou aquele chamado de stablishment. É assim que temos indignação nas ruas, mas desorientação, medo, resignação ou desconfiança e conservadorismo nas eleições. A chamada “massa silenciosa” falou pela boca das urnas, retirando apoio ao PSOE e entregando o governo central ao direitista PP. Junto com isso, algumas novidades que terão alguma repercussão no jogo político do país (especialmente pelo que faz a vitória da esquerda independentista no conjunto do País Basco), e outras que apontam novos horizontes hoje ainda afastados e muito indefinidos.

No mais geral, as eleições estiveram totalmente determinadas pelo contexto e motivos da crise econômica espanhola e da União Européia. Uma crise de contornos difusos, cujos motivos a maioria das pessoas não conseguem entender mesmo, mas que ameaça liquidar o modelo de sociedade no qual vivem e que hoje quase todo mundo aceita em chamar de “estado do bem-estar”. E no mais curto prazo, pela gestão e decisões adotadas pelo governo do presidente José Luis Rodríguez Zapatero, no último ano e meio: reformas regressivas do sistema de aposentadorias, do mercado de trabalho, recortes do gasto público e dos salários dos servidores, entre outras.

Vejamos, grosso modo, o mais importante dos resultados deste 20 de novembro. O primeiro que se evidencia é o desabar do partido do Zapatero, que perde mais de quatro (4,3) milhões de votos em relação ao resultado das eleições de 2008, que foi de 11,3 milhões, perdendo 59 deputados. O partido vencedor, PP, consegue aumentar os apoios em pouco mais de meio milhão, mas que tem efeito de aumentar o número de deputados em 32, fazendo com que esse partido disponha de maioria absoluta na Câmara, de modo que terá condições ótimas para legislar e até de fazer eventuais mudanças constitucionais só com algumas poucas alianças.

O resto dos resultados podem ter maior ou menor significação e eventual projeção para o futuro, se bem não vão conseguir peso decisivo no próximo parlamento. A Izquierda Unida-IU cresce em 710.864 votos, e passa de 2 a 11 deputados. Cresce muito também o partido União, Progresso e Democracia (UPyD), racha do PSOE, e que faz discurso de defesa da “nação” espanhola contra os “nacionalistas” bascos e catalães, ao tempo que reclama mudança da lei eleitoral, o qual lhe permite abrir espaço para setores democratas. Cresce pouco, mas também, a direita nacionalista da Catalunha, Convergência e União (CiU), convertendo-se na força hegemônica nesta nação histórica. Com pouco mais de 200 mil votos a mais aumenta a representação de deputados de 10 para 16.

A única região na qual a esquerda vai para frente é o País Basco, onde uma coligação de forças abertzales (independentistas) e de esquerda (socialdemocratas, socialistas e comunistas) chamada Amaiur consegue a maioria de votos e deputados (7), deixando atrás ao PP, o PSOE e o histórico representante da direita nacionalista basca, o Partido Nacionalista Basco (PNV). Outra questão faz muito importante a aparição com força no cenário desta Amaiur, é o fato dela se colocar na agenda imediata a finalização do conflito armado no País Basco e a luta pela independência no meio prazo. Junto com isso, cresce um pouco a abstenção, que se coloca no 31% dos potenciais eleitores, e também bastante os votos em branco e os votos nulos.

Há um amplo consenso em considerar o fato do presidente Zapatero ter se decidido pela aplicação das políticas de recorte orçamentário, via redução do salário dos servidores e dos recortes dos serviços públicos, assim como das aposentadorias do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras espanhóis como o motivo principal da perda de apoio do PSOE.

De qualquer modo, de forma meio paradoxal, há de se considerar o fato do partido da oposição, hoje vencedor, o PP, ter sido o melhor aliado de Zapatero para a aprovação dessas políticas. O que não teria lhe afetado demais para obter bom resultado na disputa, mesmo quando já no final da campanha o líder desse partido já anunciava os recortes de orçamento e direitos por vir.

Surpreende também que no fim do mandato, o líder do PSOE pudendo optar por defender o estado do bem-estar e aprofundar em políticas sociais, o que poderia ter-lhe garantido maior apoio popular, opta-se por cumprir á risca as políticas exigidas desde Bruxelles e Berlim que haveriam de levá-lo á derrota. Nas declarações de Zapatero antes e após a jornada eleitoral, lê-se já não só uma derrota política quanto ideológica e de projeto alternativo. O já ex-líder do PSOE defende a tarefa feita, afirmando que o seu governo foi capaz de colocar á frente “os interesses do conjunto dos espanhóis e não apenas os do partido”.
Nisto, o Zapatero repete o bordão que os outros candidatos da direita vêm fazendo ecoar, segundo o qual o estadista de hoje, longe daquela imagem de político audaz, independente, ousado e capaz de dar uma de Don Quixote na defesa dos “interesses do povo ou da nação”, seria hoje o servidor submisso aos ditados do donos do capital. Veja-se por ai os casos recentes na Grécia, Itália, Portugal, Irlanda e, até mesmo, na França.

Estes resultados permitirão ao direitista e espanholista católico PP fazer um governo em solitário. Ou seja, vão fazer quase que o que eles decidirem em qualquer das áreas políticas e sociais. Porém, há de se ter em conta que a maioria parlamentar atingida é também produto do efeito da lei eleitoral e não responde a uma base social de apoio coerente com o resultado em termos de deputados e senadores.

Ou seja, nas condições atuais de crise sem rumo e que, segundo todas as previsões, deve se agravar, a atual maioria parlamentar do PP poderia não ser suficiente como para resistir á pressão nas ruas. E aqui é onde entra em jogo a interpretação dos resultados atingidos pelas forças da esquerda e os votos nulos, em branco e a mesma abstenção.

A IU teria conseguido sair do estado de derrota no qual vinha sobrevivendo desde há mais de uma década. Consegue um aumento de 710.864 votos, e passa de 2 para 11 deputados, entre eles algum destacado militante do movimento dos indignados. IU se quer “a voz da rua no Parlamento”. Não vai ser fácil, porém, a superação de dinâmicas e velhos vícios da esquerda “institucional”, ou da esquerda “por dentro do sistema”. 

Ou seja, como coloca em evidência uma das primeiras declarações do líder da coligação, Cayo Lara, se propondo aproveitar desde já o resultado no Parlamento para fazer com que á esquerda vire hegemônica. Seja como for, os tempos pela frente vão exigir da IU presença forte nas ruas e posições mais firmes e coerentes.

Fora isso, o crescimento do apoio a IU é expressão clara de posições contrárias ás políticas neoliberais. Como é também o crescimento da abstenção e, sobretudo, dos votos nulos e em branco. Que expressam uma crítica dessas políticas, mas também do sistema político, exigindo “democracia real já”.

Por enquanto, de qualquer modo, o que vem é um futuro imediato muito e muito duro. O presidente eleito ainda não concretizou o programa político do seu governo, o que já é bastante grave (ganhar umas eleições sem programa político concreto…), mas alguns governos autonômicos (equivalente ao governo de estado no Br) do próprio PP e de outras forças políticas, como o catalão da direita nacionalista, já vem fazendo a política que o novo presidente vai aplicar: nova redução de salários dos servidores públicos para o ano de 2012, maiores reduções nos orçamentos de saúde pública e educação, aumento dos impostos indiretos, “co-pagamento” de serviços públicos na saúde… e assim pela frente.

É o mesmo futuro dos outros países da União Européia. Será que o povo aceita? Até quando e em quais condições?



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