João Claudio Arroyo: Pra quem não tem medo de ser feliz!

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Contribuição à Avaliação PT 2010, aberta pelo Diretório Estadual PT-PA junto aos militantes do Partido dos Trabalhadores

 João Claudio Arroyo,
membro do DE PT-PA
janeiro de 2011

O PT é um fenômeno democrático-popular sem precedentes, no Brasil e no mundo. O processo de profunda reestruturação que a sociedade brasileira embarcou após o período da Ditadura Militar, desde os anos 80, passou, e passa ainda, pelo PT.

Primeiro, principalmente como força de elaboração e articulação estratégica de forças sociais e políticas capazes de disputar a agenda política, polarizando lideranças dos movimentos sociais que passaram a dar uma dimensão mais transformadora às suas reivindicações cotidianas.

Em um segundo momento, principalmente como via de vazão de anseios por uma sociedade democrática, ganhando parcelas cada vez maiores da sociedade desde a promoção da transgressão da passeata e da greve, passando pela conquista da agenda de gênero, raça, sexualidade e meio ambiente, até a conquista da autonomia eleitoral pelos setores médios e populares, cravada em 2006, diante das elites e seus porta-vozes da grande mídia.

E, mais recentemente, principalmente como exercício efetivo do poder de governo na construção de um novo modelo de desenvolvimento que aponta para a desconcentração da renda e a inclusão social – que não se limita apenas à questão da renda, mas sobretudo da educação e da cultura para enfim propiciar o efetivo exercício de direitos como saúde, saneamento, moradia etc.

Mas até quando passará pelo PT, a história do Brasil moderno que se escreve, e por que?

O núcleo de elaboração estratégica desta história já não está mais no PT, está no governo. E, a referência não é o programa do PT mas o da aliança de projetos de desenvolvimento capazes de reunir as condições necessárias para sua efetivação, como exercício de poder, o que se coloca para bem além do marco partidário como um todo da coligação, não só do PT.

Vale ressaltar que neste processo, mais uma vez a cultura política petista, mais do que o partido, tem sido importante para um exercício de Estado onde as políticas Públicas ganham um grau expressivo de legitimidade o que, por si só já serve para um importante fortalecimento da democracia enquanto instituição e enquanto cultura política da nação.

O surgimento da questão do Ficha-Limpa na agenda política e social por fora do parlamento e da grande mídia é uma demonstração das possibilidades que este momento novo do Brasil oferece. É um elemento de exercício efetivo de democracia direta, participativa, que fazia parte do repertório do PT, quando propunha o Orçamento Participativo, que hoje volta à cena por fora do PT, enquanto partido.

O dramático é que na lógica do cotidiano da política a Lei do Ficha-Limpa foi um divisor de águas dentro do PT. Inúmeros são os militantes petistas que assinaram a petição e defendem a Lei como conquista para uma cultura democrática elevada acima de interesses do momento. Enquanto, ao mesmo tempo, não foram desprezíveis as manifestações de petistas que ocupam posições importantes dadas pelo partido, contra o todo ou parte da Lei do Ficha-Limpa.

Esta ambigüidade referida acima, está assentada no descolamento entre ética e a prática política no partido que defende a ética na política. Esta é a marca do dilema petista que vivemos já há algum tempo e que ainda não foi devidamente tratado, mas que se apresenta cada vez mais como incontornável. O dilema de subordinar a estratégia(o como fazer) à ética(o que se deve fazer) ou à política (o que se pode fazer).

Claro que o dilema se resolve no equilíbrio – como construir as condições para se poder fazer aquilo que tem que ser feito. Mas isto exige esforços de elaboração, criatividade e inovação, sem o que o dilema continua.

Outra macro expressão deste dilema, reflete em parte o vazio deixado pelo deslocamento do núcleo de elaboração estratégica que deixou o ambiente partidário para ocupar e se adequar, obviamente, ao espaço de governo.

O vazio a que nos referimos é exatamente o do debate e elaboração estratégica que relegou o partido ao papel de mera ferramenta instrumental no jogo das alianças entre projetos de desenvolvimento que operam no âmbito do governo, que já mencionamos. Ao mesmo tempo, revelando uma clara concepção de exercício centralizado de poder.

A ausência do debate estratégico no PT que exigia a expressão de valores ideológicos e um mínimo de coerência prática, foi levando algumas lideranças para o gueto da reles luta pela sobrevivência política que, em alguns casos emblemáticos, os agigantou eleitoralmente e os apequenou moralmente.

Como nada convence mais do que o exemplo, este comportamento não refletido, não assumido, não expressado, foi silenciosa e disfarçadamente se somando à cultura política patrimonialista da sociedade, que a tudo atribui preço em dinheiro, e foi adotado por parcelas importantes de militantes e novos militantes atraídos pelas condições que a ocupação do poder público proporciona.

Mas ledo engano supor que este processo se dá por causa da presença no espaço público, fatos isolados mas significativos são registrados bem antes, na gestão de sindicatos, entidades populares etc. Por outro lado, são inúmeros e amplamente majoritários os exemplos dos petistas que não mudaram a sua conduta moral ocupando espaços públicos de relevo. Mas aquilo que é exceção pode virar regra se não tratarmos devidamente.

E assim, o dilema que vivemos passou a dividir o foco dos petistas entre aquilo que podemos construir como parte da estratégia da construção da sociedade que almejamos e aquilo que se pode auferir como ganho imediato, de caráter político e/ou econômico, coletiva ou pessoalmente.

Esta perda de foco pulverizou nossos esforços políticos em diversas frentes sendo a de maior impacto e peso a de governo.

O PT no governo do Pará

Conquistamos a opção eleitoral da maioria dos paraenses em 2006, quando a aliança neoliberal liderada partidariamente pelo PSDB não conseguia mais esconder dos setores médios e populares a sua incapacidade em dar respostas efetivas, mesmo com o poder comunicativo que dispunha.

Além disso, a vacilação do PMDB em apresentar-se à sociedade com face própria, proporcionou à candidatura petista um apoio determinante para a vitória nas urnas.

Somou-se ainda uma conjuntura nacional onde o eleitorado, pela primeira vez, mostrou-se firmemente independente da opinião, das elites, publicada nos jornais e telejornais de encomenda. E, mesmo depois de um massacre na mídia o projeto petista crescia no eleitorado médio e popular que passou a perceber o avanço que o modelo de desenvolvimento em implantação trazia para a sociedade, mesmo sendo crítico ao episódio do “mensalão”.

Este sentimento nacional se expressou no Pará, onde também se somou à lembrança positiva da experiência do governo petista na prefeitura de Belém. Compondo um somatório de processos que desautoriza qualquer conclusão simplista visando conferir glórias a um ou outro fator.

A relação PT X Governo, no Pará, reproduziu a fórmula nacional que além da natural apartação política, institucional e operacional também separa o sentido e função do partido da elaboração estratégica do desenvolvimento da sociedade que assim, acontece apenas no espaço de governo submetida a uma lógica de forças econômicas, institucionais e jurídicas específicas.

No Pará, esta concentração da elaboração estratégica nos espaços mais restritos do governo alijou quadros experientes técnica e politicamente empobrecendo principalmente o potencial de realização estratégica em áreas cruciais como educação, saúde e infraestrutura, por exemplo.

Vale frisar que, do ponto de vista teórico, o plano de governo era de alto nível, potencialmente capaz de responder aos grandes gargalos do desenvolvimento do estado, somando na perspectiva da promoção da cidadania participativa.

No entanto, mais uma vez, o partido ficou quieto “para não causar problemas” e, mesmo no governo, a elaboração estratégica se impunha por força da institucionalidade sem se construir como pacto político efetivo entre as forças vivas que o compunham.

Os condôminos do governo, mesmo os petistas, passaram a trabalhar sem uma unidade estratégica construída, vivendo do dia-a-dia, sem uma provocação estratégica capaz de mobilizá-los, nem nas áreas fundamentais.

Mas, de volta ao dilema, é preciso frisar que a ausência da motivação estratégica é produto da cultura do não-debater, do não-refletir, do não-pensar que foi domando o mundo petista, aliás, construído em sua origem sobre o dever de questionar. E, sem este combustível, a inteligência e a criatividade foi sendo preterida em favor da obediência.

Mesmo assim, nesta colcha de retalhos, importantes saldos merecem destaque para que jamais esqueçamos que, no conjunto da obra, potencialmente, somos nós os que possuímos condições de responder estruturalmente a construção de uma sociedade amazônida moderna.

O “projeto” sintetizado pelos Parques Tecnológicos e a reconstrução do Idesp, o avanço de concepção e técnica no trato com a crucial questão territorial e a abertura na relação com os movimentos sociais merecem um acompanhamento cidadão, um exercício vivo de Controle Social para que não tenhamos retrocessos.

Portanto, o primeiro passo é aceitar que a derrota eleitoral não é só uma derrota política, como a que produziu uma aliança formal gigante e uma força política nanica. Esta é a derrota de um modelo de gestão política, que apartou a militância da elaboração político-estratégica, que reduziu as tendências em estruturas famintas apenas por cargos, que nos tirou do diálogo aberto com a sociedade sobre o modelo de desenvolvimento para nos colocar nas manchetes tristes dos jornais das elites.

Este pode ser o primeiro passo para a grande vitória de conquistarmos, não apenas governos, mas sobretudo a sociedade, a partir de nosso exemplo prático, para a construção de uma sociedade baseada na solidariedade e na autonomia do Controle Cidadão sobre o Estado.

Que venha 2012.





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