O perigo cambial

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Por Wladimir Pomar no Correio da Cidadania
 
Wladimir Pomar


 A evolução do quadro internacional coloca o governo que saí, do mesmo modo que o governo que entra, diante de alguns problemas, aparentemente apenas de ordem tática, mas com grande poder de influência sobre as tendências estratégicas. Neste momento, basta a questão cambial para colocar em perigo muitos dos avanços dos últimos anos.
A reunião do G20 resultou em quase nada. Os Estados Unidos continuam levando adiante seu plano de emissão de 600 bilhões de dólares, sendo capazes de inundar o mundo com sua moeda. Com o aumento de sua liquidez, reduzem os riscos das ações e o custo do capital em seu mercado, reduzem sua dívida pública e forçam a valorização de outras moedas. Uma das consequências mais plausíveis desse movimento pode consistir na formação de bolhas financeiras nos países emergentes.
Como não há pressões inflacionárias nos Estados Unidos, e seus juros estão irracionalmente baixos, a tendência é que a massa de bilhões de dólares emitidos pelo Tesouro norte-americano fluam para regiões que ofereçam condições favoráveis para investimentos, em especial favoráveis para investimentos especulativos de curto prazo. Em vista disso, entre todas as economias emergentes, o Brasil é a que oferece as taxas mais atrativas para o ganho rápido.
Seria conveniente relembrar as origens da crise financeira dos anos 1990. Desde o final dos anos 1980, os Estados Unidos aplicavam uma política monetária sem controle, permitindo aos investidores descarregarem bilhões de dólares em investimentos de curto prazo pelo mundo, em especial na Rússia, Brasil e alguns países do sudeste asiático. Bastou o Tesouro norte-americano modificar a política monetária, em meados dos anos 1990, para que o fluxo de investimentos invertesse sua direção e causasse a bolha que afundou vários países.
A presente crise internacional resulta de uma série de fatores, não somente dos desequilíbrios cambiais. Os movimentos corporativos de segmentação produtiva, relocalização empresarial, especulação financeira e outros fatores econômicos, inclusive os déficits financeiro e comercial dos Estados Unidos, provavelmente desempenham um papel maior do que o câmbio na sua eclosão e em seu desenvolvimento.
Apesar disso, do mesmo modo que a quebra de bancos pareceu a causa da crise econômica mundial, embora fosse sua primeira onda, a crise cambial é certamente a segunda onda da mesma crise. Bem vistas as coisas, não foram poucos os economistas que previram esse desdobramento da crise mundial. O pior é que, da mesma forma que a decisão do FED e dos governos europeus, de dar prioridade ao salvamento dos bancos especuladores e fraudulentos natos, não resolveu a crise, a decisão norte-americana de usar seu poder de imprimir papel moeda parece destinar-se exclusivamente a salvar-se à custa dos demais.
Quando a enchente de dólares começar a transbordar dos Estados Unidos para o resto do mundo, um dos países mais cotados para recebê-los será o Brasil. Nós estamos crescendo, temos muitos projetos para investimentos e financiamentos e, mais do que tudo, temos um mercado de capitais escancarado para ações de curto prazo, além de praticarmos as taxas mais escandalosamente altas do mundo. Somos um imã capaz de atrair uma montanha de dólares, em especial especulativos.
A nossa situação é ainda mais perigosa porque o real já está sobrevalorizado e temos pouco espaço para valorizá-lo ainda mais.  Nessas condições, talvez não seja necessário um pico da Neblina para criar uma bolha financeira. Talvez baste um Pão de Açúcar. Portanto, estamos diante de um perigo real, exigindo medidas mais ousadas para confrontá-lo.
Diferentemente da China, que tende a valorizar sua moeda de modo mais contínuo e consistente, ao mesmo tempo em que eleva sua taxa de juros, de modo a evitar um choque de oferta monetária e uma maxi-desvalorização, nós precisamos desvalorizar o real e reduzir a taxa de juros, de forma a reduzir a possível avalanche de dólares.
Paralelamente, como fizeram todos os países do sudeste da Ásia no curso da crise de 1997-99, nós precisamos adotar medidas preventivas de restrição e controle dos investimentos de curto prazo, ao mesmo tempo em que podemos aumentar as facilidades para os investimentos diretos em projetos produtivos.
Essas medidas não garantem a imunidade do Brasil ao tsunami de papel moeda vindo dos Estados Unidos, mas podem reduzir os prejuízos. E, acima de tudo, para adotá-las, dependem de ousadia e rompimento com algumas ortodoxias. Mesmo porque a situação só vai se tornar mais favorável quando a liquidez norte-americana for reduzida ou controlada. Até lá, os emergentes terão que se ver com mais uma onda da crise capitalista global.


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