Mais uma vez, é a vale quem ganha em Carajás

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Lúcio Flávio Pinto

Voltou a paz social entre capital e trabalho na região de Parauapebas, no sul do Pará, uma das mais conturbadas do país, onde estão em atividade - ou em implantação - algumas das maiores minas brasileiras e mundiais, na província mineral de Carajás. A frase foi dita por Rafael Grassi Ferreira, dono de um título que diz bastante sobre a importância das questões de que trata: gerente geral jurídico trabalhista da Vale, a segunda maior mineradora do planeta.

Ferreira estava feliz por assinar, no dia 20, um acordo com os empregados, depois de mais de dois anos de litigância em torno de um tema até então considerado intragável pela Vale: o pagamento pelo tempo gasto por seus empregados desde seus domicílios até os locais de trabalho. A empresa se recusava a aceitar essa reivindicação, juridicamente denominada de hora "in itinere" (no itinerário). Alegava que não era responsabilidade sua e que o transporte era de competência do poder público, por se tratar de espaço público, situado fora dos limites da sua propriedade. Com a recusa, o Ministério Público do Trabalho - e não nenhum dos sindicatos com jurisdição em Carajás, como seria de se esperar - propôs uma ação civil pública contra a ex-estatal, privatizada em 1997. O juiz da 1ª vara do trabalho de Parauapebas, Jônatas Andrade, considerando-se convencido de que, por trás de artifícios adotados, era mesmo a Vale quem transportava os empregados, condenou a companhia a recolher 200 milhões de reais ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, administrado pelo BNDES), pela prática de "dumping social", e mais R$ 100 milhões como danos morais coletivos, a serem pagos aos funcionários. Há 15 mil em atividade nas minas de Carajás. No acordo promovido em Belém, pela justiça do trabalho, a empresa finalmente reconheceu o direito. Os trabalhadores receberão diariamente um adicional pelos 44 minutos gastos até a mina de ferro de N4, 54 minutos até a jazida de cobre do Sossego e 80 minutos até a mina de manganês do Azul. A empresa terá também de quitar o débito acumulado nos últimos 42 meses (crédito em favor dos empregados retroativo a fevereiro de 2007, provavelmente data-base).

Não foi apresentado, durante a celebração do acordo, o cálculo do valor total desses pagamentos. Mas o representante dos trabalhadores disse que o adicional pelo transporte deverá proporcionar um acréscimo de 3% ao salário base dos empregados da Vale. Espera-se que esse valor se estenda a todas as empresas terceirizadas, que absorvem a maior parte do universo em atividade em Carajás: 12 mil dos 15 mil que atuam nas minas são seus contratados.

Como os empregados terceirizados moram em Parauapebas, distante 30 quilômetros da entrada de Carajás, e não no núcleo residencial interno, reservado aos funcionários da Vale, as empreiteiras serão mais oneradas pelo acordo do que a própria mineradora, cujos funcionários têm um percurso bem mais curto do que o dos demais. Enquanto o impacto na folha da Vale é calculado em 3%, o das empreiteiras deverá chegar a 10%. Ainda assim, é um ônus singelo em vista do peso suave dos salários no custo total de produção e em relação aos lucros (e dividendos) obtidos desde a venda da estatal.

Pelo acordo, a Vale também promoverá ações sociais no montante mínimo de R$ 26 milhões (pouco mais de 10% do valor definido na sentença judicial apenas pelo "dumping social"). Até março de 2012 implantará em Parauapebas uma unidade do Instituto Federal do Pará (antiga Escola Técnica) para cursos de mecânica e eletroeletrônica e, até março de 2011, uma escola modelo no município.

Além de proporcionar satisfação ao representante da empresa, o acordo também tranqüilizou o representante sindical. Por causa do impasse, a convenção coletiva, que venceu em 1º de julho, não pôde ser renovada e, por isso, foi prorrogada até o final de agosto. Agora as negociações poderão ser retomadas.

Em boa hora para a direção do sindicato poder apregoar o resultado como uma vitória e usá-lo na propaganda para a eleição de novembro, embora a atuação sindical tenha se restringido a homologar o que foi estabelecido na negociação entre a empresa, o Ministério Público, o juiz de Parauapebas e a presidente do tribunal regional. O continuísmo deverá persistir na cúpula sindical de Carajás.

O acerto, porém, foi ainda mais vantajoso para a Vale. Condenada inicialmente a desembolsar R$ 300 milhões, o total dos seus gastos ficará muito abaixo do mínimo que a súmula 34 do Tribunal Superior do Trabalho garante ao empregado nesses acordos, que é de 60% do valor da condenação, ou, nesse caso, R$ 180 milhões. Mesmo considerando apenas os R$ 200 milhões atribuídos como pena à prática do "dumping", o pagamento do itinerário dos funcionários será bem inferior aos R$ 154 milhões de diferença entre as ações sociais, de R$ 26 milhões, e a pena legal.

Um ganho ainda mais substancial não constou do termo de acordo. Na sua longa e minuciosa sentença, o juiz Jônatas Andrade classificou como "dumping social" a atitude da empresa de não pagar pelo tempo de percurso do seu empregado, com isso se credenciando a um custo menor de produção. Uma condenação dessas, transitada em julgado, poderia ser utilizada contra a companhia pela prática de concorrência desleal junto à Organização Mundial do Comércio ou a tribunais arbitrais internacionais. Aí a sua dor de cabeça seria profunda e cara.

Mais uma vez a Vale saiu ganhando por, ao invés de reconhecer os direitos trabalhistas a partir do estabelecimento da relação de emprego, cumprindo as normas legais em vigor, só admiti-los em acordo em juízo. É assim que a empresa tem procedido em milhares de ações propostas contra ela e seus empreiteiros nas duas varas da justiça trabalhista de Parauapebas, das mais congestionadas de todo Brasil. A conta sai bem mais barata e dá lucro. Como sempre, a Vale concentra para si, seus sócios, acionistas e compradores no exterior os grandes benefícios da extração (até a rápida exaustão) dos recursos minerais do Pará. O trabalhador, como os Estados nos quais a empresa atua, fica só com o troco.


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