O PSTU e a metafísica do absenteísmo

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Artigo do professor José Ricardo Figueiredo:

No segundo turno destas eleições, o PSTU recomendou voto nulo a seus militantes e eleitores, como já fizera em 2006. O PSOL estuda a questão, não tendo repetido o intempestivo voto nulo decretado por Heloísa Helena logo no início do segundo turno, e acatado pelo partido. Mas muitos no PSOL se inclinam pela mesma tendência de voto nulo. Acreditam que esta é a postura coerente com seu discurso do primeiro turno, onde buscaram diferenciar-se das principais candidaturas denunciando-as todas como parte de um mesmo “tudo que está aí”.

De fato, nenhuma das principais candidaturas ostentou propostas de enfrentamento das relações capitalistas em geral, nem de redistribuição radical das rendas ou das propriedades. Pelo ângulo dos que defendem um discurso explicitamente socialista, há fundamentos lógicos para a defesa da abstenção.

É fato que, pela complexidade e amplitude das questões políticas, há também fundamentos lógicos para uma postura distinta. Por exemplo, num debate em que Plínio foi perguntado por Serra a respeito das relações Brasil-Irã, ele defendeu, na prática, a atual política brasileira. Em vista da importância da questão da paz mundial, esta aproximação com a atual linha da política brasileira, por si só, justificaria um apoio crítico no segundo turno. Entretanto, a concordância foi pontual, enquanto as falas nos debates e a propaganda do PSOL, como do PSTU, enfatizaram as divergências.

Algumas vezes, as divergências se manifestaram de forma injusta, como quando Plínio foi perguntado por Dilma sobre o ProUni e o ReUni. Respondeu o esperado acerca do ProUni, criticando o financiamento das escolas privadas. Mas também não deu o braço a torcer pelo ReUni, que virou “política do Banco Mundial”. Ora, o Reuni é uma expressiva ampliação das universidades federais, na qual os novos professores vem sendo contratados por meio de concursos públicos, tal como o movimento docente, discente e de funcionários sempre defendeu. Por razões táticas, para marcar diferença e não valorizar a adversária, Plínio passou por cima de uma das bandeiras históricas mais importantes destes movimentos. Nestes pontos, portanto, a defesa do voto nulo é coerente com o erro.

Mas isto não é a essência da questão. A coerência que se busca é a coerência com uma política de explicitação de um projeto socialista. E a que leva tal coerência lógica?

Temos neste segundo turno uma acirrada oposição entre dois campos, o que governou entre 1995 e 2002, e o que governou entre 2003 e 2010. O acirramento se vê, principalmente, pela imprensa, instrumento central da política em situações democráticas. Por mais heterogênea que seja a composição de cada um destes dois campos, toda a grande imprensa defende, sem exceção, o retorno do primeiro campo ao poder. Esta polarização não é nova. Ocorreu nas eleições de 2006, de 2002, e mesmo na de 1989. E lembra muito as polarizações de um passado mais remoto, como a crise de 1954, que levou ao suicídio de Vargas, e a campanha pró-golpe de 1964.

É diante desta luta feroz que PSTU defende, e talvez o PSOL venha a defender, em termos de coerência lógica, o voto nulo. A soma dos votos obtidos por estes dois partidos no primeiro turno foi aproximadamente 1% do total dos votos válidos. Mas a coerência lógica com o discurso que lhes propiciou tal votação é o motivo para lavar as mãos, soberbamente, diante da luta em que se engalfinharão os outros 99% da população.

Evidentemente, esta lógica é profundamente idealista, metafísica, por que parte do discurso, dos projetos idealizados para o futuro, e ignora a realidade material, a luta objetiva que se desenvolve no momento. Supostamente revolucionária, esta lógica nada tem a ver com o marxismo e o leninismo, que reiteradamente insistem na essencialidade da estratégia e da tática políticas se fundarem nas análises concretas das situações concretas. O absenteísmo é antagônico à política como práxis de enfrentamento das contradições reais da sociedade, tal como se manifestam efetivamente, e só se fundamenta em formulações teóricas abstratas.

Entretanto, isto não significa que o absenteísmo não tenha conseqüências concretas. Tem, porque o absenteísmo não é neutro. Não se vê nenhum militante de extrema direita pregar o voto nulo porque, por exemplo, em seu passado, Serra, tal como Dilma, pertenceu a grupo de resistência à ditadura militar. A propaganda absenteísta não tem a pretensão de convencer partidários de Serra a mudarem de idéia e anular seu voto. Seu alvo são eleitores possivelmente simpáticos a Dilma, mas que tenham divergências em relação ao projeto em andamento.

Mas, afinal, o que vale este pequeno detalhe prático para quem tanto valoriza a coerência do discurso na construção do socialismo ideal? Diante de ideais tão sublimes, que importam as conseqüências imediatas? Bem feito para Dilma, para Lula, para todos aqueles que decepcionaram os defensores do socialismo ideal! Bem feito para a população em geral, que ainda não percebeu a magnificência do ideário socialista, e continua a fiar-se no reformismo, aliás, “melhorismo”!

Este ponto de vista tem sua coerência. Pelo menos para quem não depende de bolsa-família, nem do aumento real de salário mínimo. Para quem não valoriza a criação de empregos neste sujo mundo capitalista. Nem a diminuição das desigualdades regionais. Nem a política externa soberana e pacifista, incluindo os esforços de integração latino-americana. Nem a interrupção das privatizações a toque de caixa e a preço de esterco. Nem o aumento dos investimentos em universidades e em pesquisa. Para quem, enfim, defende um socialismo tão lindo, tão distributivista, tão democrático, tão ecológico, tão ideal, que as humildes conquistas do presente são irrelevantes. Abstraindo, evidentemente, um ou outro infiltrado, que defende o voto nulo de esquerda precisamente pelas conseqüências práticas em favor da direita.

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Em tempo: O texto de polêmica de José Ricardo Figueiredo foi escrito antes da executiva nacional do PSOL aprovar a resolução "Nenhum voto em Serra", liberando seus militantes para o voto crítico em Dilma ou voto nulo.


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